16 de abril de 2021

Os rostos do Infante de Sagres

ROSTO DO INFANTE
Crónica da Guiné & Painéis dos Cavaleiros e do Infante
Estátua dos Jerónimos & Busto e Estátua Jacente da Batalha

       O misterioso senhor do chapeirão borgonhês...       

«E assy que tornando a meu proposito digo que este nobre principe ouue a estatura do corpo em boa grandeza e foe homẽ de carnadura grossa e de largos e fortes membros, a cabelladura auya algũu tanto aleuuantada, a coor de natureza branca, mais polla continuaçõ do trabalho per tẽpo tornou doutra forma.»
Gomes Eanes de Zurara, Crónica dos feitos da Guiné  (1453) 

«Homem de boa estatura do corpo e de grandes e fortes membros; tinha o acatamento da sua presença mui gracioso, os cabelos corredios, o rosto redondo e algum tanto enverrugado, os olhos moles, e pouca barba...» 
Rui de Pina, Crónica de D. Duarte (1497)

Como homem que era do seu tempo, o Infante Dom Henrique mandou modelar ainda em vida o rosto em cera. Garantia assim que a estátua jacente do seu túmulo da Capela do Fundador no Mosteiro da Batalha o representava com fidelidade, tal qual era e não fruto da imaginação póstuma de quem a esculpisse. Precaução malograda pelas representações fantasistas dos nossos dias. Ironias do destino difíceis de evitar, mesmo quando se trata de alguém como o Navegador, Senhor de Sagres, Duque de Viseu e representante maior da Ínclita Geração.

Eis senão quando em 1841 é dado a conhecer pelo Visconde Santarém a iluminura do Senhor de Chapeirão, adossada à Crónica dos feitos da Guiné ou do Infante D. Henrique (1453), de Gomes Eanes de Zurara, um códice existente em Paris, na Bibliothèque National de France. Fácil foi para José de Figueiredo identificar em 1895 o retratado com a figura pintada nos Políptico de São Vicente, atribuídos a Nuno Gonçalves, hoje expostos no Museu Nacional de Arte Antiga, às Janelas Verdes em Lisboa. E assim passou a ser desde então contra tudo e contra todos.

A dúvida surgiu quando o reconhecimento desse filho de Dom João I e Dona Filipa de Lencastre é questionado e substituído pelos irmãos mais velhos, o Rei Dom Duarte para uns e o Infante Dom Pedro para outros. O confronto das diversas representações do Administrador da Ordem de Cristo e principal impulsionador da expansão portuguesa foram determinantes para excluir a misteriosa figura do chapeirão borgonhês da iconografia henriquina. Tarefa inglória que o uso atual convertido em tradição tem ignorado liminarmente, a demonstrar que em arte mais vale sê-lo que parecê-lo.

Com barba ou simples bigode, a cara redonda ou enverrugada, corpo de grandes e fortes membros ou escanzelado, cabelos corredios ou encrespados, pouco importa, o verdadeiro rosto do mandatário da conquista da Guiné será sempre o do homem do chapéu negro de aba larga do Códice de Paris e dos Painéis de Lisboa. Assim passou a ser reconhecido em toda a parte. No ato criativo de divinização do herói, o retrato idealizado pela imagética dos nossos dias levou a melhor sobre o retrato desenhado pelos cronistas quatrocentistas coevos. Contra factos não há argumentos...  

2 comentários:

  1. Muito interessante, Prof! A Iluminura parece um negativo da figura do Senhor de Chapeirão representado no Político, a tal figura que se tornou popular, a contento das leis humanas da arte de representação...

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  2. Bernardete Fernandes29 de abril de 2021 às 10:21

    Aflorou-me a memória deste assunto nas aulas do mestre. Incrivelmente tenho tantas e boas, o que para uma desmemoriada não deixa de ser um consolo. Agora a ler, ao recordar o que bem ensinou sobre o dito barbudo, divago a imaginar como se fez a sua figura em cera por cima da, pouca ou muita, barba.

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