1 de abril de 2021

A verdade da mentira

 

« Le bugie, ragazzo mio, si riconoscono subito, perchè ve ne sono di due specie: vi sono le bugie che hanno le gambe corte, e le bugie che hanno il naso lungo: la tua per l’appunto è di quelle che hanno il naso lungo.
     Pinocchio, non sapendo più dove nascondersi per la vergogna, si provò a fuggire di camera, ma non gli riuscì. Il suo naso era cresciuto tanto, che non passava più dalla porta.»

Trapaças, petas, burlas, patranhas, tangas, mentiras de abril

O Pinóquio não conseguia mentir sem que o nariz lhe crescesse e foi obrigado a falar sempre verdade para que tal não acontecesse. Nas histórias infantis, as verdades e as mentiras têm uma dimensão que as histórias da vida real desconhecem. Pelo menos através da observação do tamanho maior ou menor do nariz ou de qualquer máquina construída para tal efeito. Os detetores de mentiras infalíveis são uma utopia ainda por inventar.

Nunca o Festival da Canção RTP foi ganho por uma composição tão diferente do habitual como este ano de 2021. Nunca o nosso país se fez representar na Eurovisão com uma composição tão fora das normas tradicionais. Com a verdade me enganas. Vai ser cantada em inglês. Salvador Sobral ganhou esse mesmo festival em 2017 com uma canção cantada em português. A diferença que fez a diferença marcou pontos e venceu.  

Se bem me lembro e não quero mentir, em 1969 o concurso decorreu em Madrid e teve quatro vencedores ex æquo. A Desfolhada da Simone ficou em penúltimo lugar. Escândalo nacional, como era usual naquela época entre nós. Uma das rádios anunciou então na madrugada do 1.º de abril que dado o insólito da situação, o certame se repetiria em Lisboa no Teatro Nacional D. Maria. Uma mentira que a muitos pareceu verdade.

Em contrapartida há verdades que parecem mentiras. Quem diria que um dia José Saramago convenceria a Academia Sueca a outorgar-lhe o Prémio Nobel da Literatura em 1998; que Durão Barroso, o tal que não dizia nada em muitas línguas, seria presidente da Comissão Europeia de 2004 a 2014; que António Guterres seria eleito secretário-geral ONU em 2017 e se prepara para um segundo mandato agora em 2021.

A arte de mentir tem que se lhe diga e cada vez se torna mais difícil de discernir a verdade da mentira neste mundo regido pelos Fake News & Alternative Facts Generators, que os Polígrafos televisivos tentam em vão desmontar. Se estivéssemos no reino das letras falaríamos em Ucronia, efeito que fora da ficção tem o mesmo efeito do nariz do Pinóquio, fica sempre do mesmo tamanho. Há que habituar-nos a separar o trigo do joio.


5 comentários:

  1. Tal a complexidade do ser humano... Que tenhamos a sorte de deparar com muitas verdades boas para que a maior parte dos dias não nos pareçam cinzentos...

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  2. De facto, a verdade e a mentira há muito que jogam ao jogo do gato e do rato.
    Desde o carnaval com as máscaras, o teatro com o seu faz de conta, a desonestidade intelectual, a infidelidade, os populismos, etc, etc.
    Um cem número de exemplos, enfim...

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  3. Uma mentira repetida constantemente passa a ser verdade quando interpretada pelos neurónios que funcionem em câmara lenta e o nariz do Pinóquio não cresce.

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  4. Há alturas em que dava jeito ver crescer o nariz aos mentirosos.

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  5. Nesta época em que a mentira é diária, via televisão, internet e até imprensa em papel, fará sentido manter-se um dia dedicado a mentir?

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