26 de novembro de 2021

Mulheres-aves & Mulheres-peixes

 Ulysses and the Sirens
John William Waterhouse (1891)
 
Σειρῆνας μὲν πρῶτον ἀφίξεαι, αἵ ῥά τε πάντας
ἀνθρώπους θέλγουσιν, ὅτις σφεας εἰσαφίκηται.
ὅς τις ἀιδρείῃ πελάσῃ καὶ φθόγγον ἀκούσῃ
Σειρήνων, τῷ δ᾽ οὔ τι γυνὴ καὶ νήπια τέκνα
οἴκαδε νοστήσαντι παρίσταται οὐδὲ γάνυνται,
ἀλλά τε Σειρῆνες λιγυρῇ θέλγουσιν ἀοιδῇ
ἥμεναι ἐν λειμῶνι, πολὺς δ᾽ ἀμφ᾽ ὀστεόφιν θὶς
ἀνδρῶν πυθομένων, περὶ δὲ ῥινοὶ μινύθουσι.
ἀλλὰ παρεξελάαν, ἐπὶ δ᾽ οὔατ᾽ ἀλεῖψαι ἑταίρων
κηρὸν δεψήσας μελιηδέα, μή τις ἀκούσῃ
τῶν ἄλλων: ἀτὰρ αὐτὸς ἀκουέμεν αἴ κ᾽ ἐθέλῃσθα,
δησάντων σ᾽ ἐν νηὶ θοῇ χεῖράς τε πόδας τε
ὀρθὸν ἐν ἱστοπέδῃ, ἐκ δ᾽ αὐτοῦ πείρατ᾽ ἀνήφθω,
ὄφρα κε τερπόμενος ὄπ᾽ ἀκούσῃς Σειρήνοιιν.
εἰ δέ κε λίσσηαι ἑτάρους λῦσαί τε κελεύῃς,
οἱ δέ σ᾽ ἔτι πλεόνεσσι τότ᾽ ἐν δεσμοῖσι διδέντων.
Ὅμηρος, Οδύσσεια (39-54)

O canto das sereias

As Sereias (Σειρήνες = «atar com uma corda», «secar») são seres quiméricos criados pelo imaginário primitivo e eternizados pela veia épica grega de Homero na Odisseia, bizantina de Apolónio de Rodes nos Argonautas e romana de Ovídio nas Metamorfoses. Estes entes híbridos verbalizados na origem dos tempos com palavras transmitidas de boca em boca, serão depois convertidos em mitos, lendas e contos, desenhados em vasos de terracota, talhadas em pedra e bronze, pintados em tela, registados em filme e de novo moldados em palavras ditas, cantadas e lidas em todas as línguas delineadas pela criatividade humana ao longo do devir histórico que atravessou séculos e milénios até chegar aos nossos dias.

Os relatos da Antiguidade dizem que Ulisses resistira ao Canto das Sereias fazendo-se atar ao mastro central do navio e que Orfeu já as vencera com o som harmónico da sua voz e da lira por si dedilhada. Filhas aladas do rio Achelous e da musa Terpsícore, viviam junto aos rochedos aguçados das águas revoltas do Mediterrâneo. Segundo os mitos que se foram tecendo, tinham o dom de atrair os nautas que as viam e ouviam as melodias que entoavam. Segundo os contramitos, as mulheres-aves helénicas pairavam sobre a tona agitada do mar, tal como a espuma formada pelo rebentamento das ondas contra as costas escarpas que as acolhiam e pelos ventos uivantes que as impeliam. O ruído gerado seria então o fruto do seu canto fatal.

O fabulário medievo ajustou a relação das sereias pré-olímpicas com o meio aquático em que planavam e põe-nas a nadar depois de as converter em genuínas mulheres-peixes pós-clássicas. Em Varsóvia, a lenda ideou uma sereia lutadora, com uma espada numa mão e um escudo na outra. Em Copenhaga, a Sereiazinha de Andersen fita, com olhar sonhador desde as margens do Báltico, a cidade que a adotou como símbolo perene. Duas estátuas erigidas nos pontos fulcrais de duas capitais europeias, a lembrarem os feitos atribuídos a duas criaturas irreais, a pautarem os universos fabulosos da dimensão humana com ânsias incontidas de fugirem à prisão do imanente e de atingirem a ilusão escorregadia do transcendente perene.    

Sereias de Copenhaga e de Varsóvia

Nos dias da pós-modernidade, os navegadores de águas tangíveis deixaram de ser as únicas presas do canto das sereias. O digital apanhou na sua rede todos os navegadores virtuais à escala global. Surgem-nos agora sem penas nem escamas, sem asas nem cauda, sem barbatanas nem patas de pato, mas bem mais perigosas do que as mediterrânicas ou bálticas suas antecessoras. Tornaram-se reais, seres providencias de carne e osso, capazes de enfeitiçar o argonauta mais atento. Substituíram as melopeias marítimas pelo discurso de ação especialmente apto para atrair os incautos às armadilhas por si engatilhadas. Em tempos eleitorais, cuidado com elas. Não há estratégia odisseica que as possa travar ou calar.    

EPÍGRAFE

Às Sereias chegarás em primeiro lugar, que todos | os homens enfeitiçam, que delas se aproximam. | Quem delas se acercar, insciente, e a voz ouvir  das Sereias |  ao lado desse homem nunca a mulher e os filhos | estarão para se regozijarem com o seu regresso; |  mas as Sereias o enfeitiçam com seu límpido canto, | sentados num prado, e à sua volta estão amontoadas | ossadas de homens decompostos e suas peles marcescentes, Prossegue caminho, pondo nos ouvidos dos companheiros | cera doce, para que nenhum deles as oiça. | Mas se tu próprio quiseres ouvir o canto, | deixa que, nau veloz, te amarrem as mãos e os pés | enquanto estás de pé contra o mastro; e que as cordas sejam atadas ao mastro, para que te possas deleitar com a voz | das duas Sereias. E se a eles te ordenares que te libertem, | então que te amarrem com mais cordas ainda.

Homero, Odisseia. Lisboa: Livros Cotovia, 2003

[Trad. Frederico Lourenço, Ⅻ, 39-54, p. 200]

19 de novembro de 2021

Karen Blixen, a história contada de Ehrengarda, a ninfa do lago

En gammel dame fortalte denne historie…
For hundrede og tyve år siden, begyndte hun, fortalte min historie sig selv, over et længere tidsrum end De eller jeg nu kan give til den, og med et mylder af enkeltheder og biomstændigheder, som vi aldrig kan håbe på at lære at kende.
Karen Blixen, Ehrengard (1963)

uma cena no filme de Sydney Pollack, Out of Africa (1985), onde Meryl Streep, a encarnar o papel de Karen Blixen, nos demonstra a capacidade inata que a aristocrata escandinava tinha de contar uma história, de a improvisar de viva voz quando a ocasião surgia e dispunha dum público atento para a ouvir e se deixar envolver pela intriga. Ao passarmos da versão oral para a escrita, a sensação imediata de quem a é a mesma. Tal o caso do Ehrengarda, a ninfa do lago (1963), um conto redigido em inglês, trabalhado depois pela autora e publicado em dinamarquês um ano após a sua morte.

Depois de lidos os livros com dimensão de conto, publicados avulso ou em coletâneas, transpostos ou não para o pequeno ou grande ecrãs, com suporte em vídeo ou bobine de celuloide, o universo imagético criado pela baronesa de Blixen-Finecke possui o dom inato de nos prender à densidade discursiva que nos é dado sempre com a maior economia de meios gráficos e editoriais. Os géneros e subgéneros transmitidos são conjuntamente variados e singulares. A estrutura aparente dum conto de fadas parece ser o modelo seguido neste texto que nos deixou a título póstumo.

A entidade narrativa incumbida de unir as várias vozes que contam a história tem sempre em pano de fundo o testigo duma velha senhora, sua bisavó, através dos escritos por si recebidos dum participante na ação. A crise dinástica dos Fugger-Babenhausen está cindida em três partes/movimentos, anotados na didascálico inicial da comediazinha representada em meados do século dezanove num esquecido e fictício principado livre, alegadamente extinto e diluído no Império Alemão. Ao extenso prelúdio-pastoral-rondó, segue-se um breve epílogo no trecho final da crónica grã-ducal de Lotário (= guerreiro famoso) e Ludmilla (= amada do povo), bem como do desempenho em cena de Ehrengarda (= guarda de honra), a dama de honor da herdeira consorte do trono, a Ninfa do Lago, retratada como Vénus no banho pelo pintor da corte Herr Cazotte.

O raconto deixado inédito pela antiga dona duma quinta africana e senhora absoluta de Rungstedlund nas imediações de Copenhaga, também conhecida por Isak Dinesen, expõe-nos um cenário mágico sem fadas nem bruxas, sem elfos nem duendes, sem feitiços nem varinhas de condão, sem reis nem rainhas, sem sequer dispor dum final feliz. Revela-nos, todavia, alguns segredos de alcova, intrigas de bastidor e duelos travados pelas linhagens dinásticas legítimas e pelos ramos colaterais duvidosos de grão-duques e grã-duquesas, de príncipes e princesas, de damas e cavaleiros de nobreza registada nos anais ancestrais dum país de fantasia. Dá-nos ainda a conhecer o caso irónico dum sedutor que acaba seduzido, singularidades laterais a rivalizar com a centralidade da palavra dita feita escrita.

15 de novembro de 2021

Arturo, o guardião das ursas boreais

SIDNEY HALL
Urania's Mirror - Bootes, Canes Venatici, Coma Berenices, and Quadrans Muralis (1824)

Dizem que quando o Big Bang nasceu do tudo-nada, o universo inteiro cabia num único ponto, num átomo primordial, menor do que uma bola de bilhar, de ténis ou de ping-pong. Conjeturas teóricas para tentar explicar o início da grande expansão ocorrida há cerca de 13,8 mil milhões de anos, i.e., de quando o vazio se encheu de tudo aquilo que existe.

Dizem que há mais estrelas no céu do que grãos de areia na terra e haver mais partículas atómicas numa só molécula do que galáxias no universo visível. Dizem-se também coisas espantosas sobre o número total de neurónios no cérebro humano. Cifras tão desmedidas que a nossa mente finita de simples mortais tem dificuldade em contar ou assimilar.

Dizem as vozes que alimentam o senso comum ser mais fácil achar as estrelas duma constelação do que as restantes que a nossa vista alcança. São em número reduzido e constituem grupos perfeitamente localizáveis na imensidade luminosa da esfera sideral e costumam ter nomes próprios que escapam à simples listagem numerada das tabelas astrais.

Dizem os mitos, repetem as lendas e refazem as histórias contadas pela nossa imaginação criativa haver alguns corpos celestiais mais famosos do que outros. Dizem terem sido postos no firmamento por vontade das sucessivas gerações de deuses, titãs e numes cósmicos, como resultado das suas lutas sem tréguas pelo domínio das forças telúricas da natureza.

Dizem as teogonias helénico-romanas ser Arcturo, Arcturus ou Arturo (gr. Arctorus,  «guardião do urso») o Pastor que ajuda com os seus dois cães a Ursa Maior e a Menor a circundar o polo boreal. É bom pensar que à falta dum santo de primeira grandeza a assinalar o meu nome, fico com a estrela mais brilhante da constelação do Boieiro a fazê-lo. Uau!

10 de novembro de 2021

O lutar e o ligar num concerto coral

Jheronimus Bosch
,,Zangers in een el’’ (c. 1561)
[Palais des Beaux-Arts de Lille]

 Combate & Argumento 

Concertar, v. Do lat. concertāre, «combater; ter querela com; estar em conflito, lutar». Séc. ⅩⅤ.
Consertarv. Do lat. *consertāre, frequentativo de conserěre, «ligar, atar, reunir, juntar; formar alguma coisa que ligue partes entre si». Séc. ⅩⅤⅠ.
J. P. Machado, Dicionário etimológico da língua portuguesa 
 (Lisboa: Horizonte, 1977; ⅠⅠ, 199b & 213a.)

Na véspera do Dia de Reis de 2019, participei pela última vez num concerto organizado pelo Grupo Coral Ossónoba em parceria com a Associação Almargem, no âmbito do «Em Canto pela Algarviana», integrado no programa do 365 Algarve. Decorreu no Cineteatro de São Bartolomeu de Messines e precedeu as crises pandémicas histórias de hospital então inéditas.

Vinte e dois meses depois, voltei a dar a voz a mais um CorusFest 2021, um festival de coros já com algumas edições no historial do Ossónoba. Os coralistas marcaram a assim o retorno do grupo à normalidade possível  muito desejada. Cantar num espaço aberto ao público que o quiser ouvir, como medida preventiva exigida pela situação de alerta viral ainda em vigor.

O regresso presencial fez-se de máscara a cobrir meio rosto e traje de grande gala vestido a rigor. Depois do Torino-Torino-To-ri-nô |🎶| Milano-Milano-Mi-là-nô |🎶| Nápoles-Na-póli-Na-pò-lí |🎶| do aquecimento vocal, seguiu-se a execução do cancioneiro de muitas valências. Rompeu-se a sabática forçada e olearam-se as gargantas para novos encontros de toadas reunidas.

Os naipes do grupo coral envolveram-se numa disputa musical sem vencedores nem vencidos declarados. O c/s latinos com pouca expressividade sonora no par concerto/conserto deram as mãos e a etimologia linguística ficou sem argumentos válidos para diversificar os vocábulos. Ao invés de alimentarem conflitos, uniram esforços e encarregaram-se de harmonizar melodias.

5 de novembro de 2021

Thomas Mann: desejo, virtude, beleza, fascínio, paixão e morte em Veneza

„Aber mit ihnen, in ihnen war der Träumende nun dem fremden Gotte gehörig. Ja, sie waren er selbst, als sie reißend und mordend sich auf die Tiere hinwarfen und dampfende Fetzen verschlangen, als auf zerwühltem Moosgrund grenzenlose Vermischung begann, dem Gotte zum Opfer. Und seine Seele kostete Unzucht und Raserei des Unterganges.“
Thomas Mann, Der Tod in Venedig (1912)

Depois de ter visto meio século em Lisboa a versão filmada de Luchino Visconti, projetada no ecrã do Satélite, a sala estúdio do Monumental, voltei ao convívio etéreo duma das novelas mais emblemáticas de Thomas Mann, A morte em Veneza (1912), agora em forma de livro. Experiências únicas, sem reprise duma e doutra de permeio. Inexplicável. Não me dei conta de ter sido projetado por qualquer canal da TV ou de ter visto alguma edição impressa nas livrarias que vou visitando frequentemente. Ouvi, em contrapartida, um sem-número de vezes a trilha musical que acompanhava a película ítalo-francesa (1971). Sobretudo os contributos sinfónicos de Mahler, mas também de Mussorgsky e Beethoven. Impossível não recordar com nostalgia as sinestesias audiovisuais experimentas nessa sala de cinema desaparecida da praça Duque de Saldanha.

A parca centena de páginas de texto está dividida por cinco capítulos, tantos quantos os atos duma tragédia, a que o dramaturgo-novelista alemão chama tragédia da humilhação ou da degradação. Refere-se assim a Gustav von Aschenbach, reputado prosador-poeta, na casa dos cinquenta anos, convertido por força do destino num homem descaído, possuído, envelhecido, solitário e sensível. Tudo se passa entre maio e junho dos inícios de novecentos, talvez 1911, data da escrita do relato bem como do momento em que a segunda crise marroquina atingia a sua plenitude e quase antecipava o deflagrar da primeira guerra mundial. O ambiente trágico anunciado logo no título desenvolve-se depois num crescendo descritivo desde o entrada à saída do protagonista de cena, marcadas por uma quase ausência de intriga e de vozes dialogantes.       

O cenário central do drama desloca-se de Munique para Veneza, com uma passagem breve por Trieste. Instalado na ilha do Lido, o reputado vulto da cultura literária germânica transita a um ritmo oscilante entre o labirinto de ruelas, canais, pontes e pracetas da cidade dos doges e os terraços, átrios, salões e demais dependências aristocráticas do Hôtel des Bains. É neste ambiente de luxo agonizante e de primavera disfarçada de falso verão que a hybris se revela, o páthos se insinua, a anagnórise se impõe, o clímax se instala e a cathársis se efetiva. Por outras palavras, o decadente von Aschenbach nessa estância de férias o jovem efebo Tazdio, rende-se ao fascínio da sua beleza etérea, deseja-o com uma paixão insana, atira para trás das costas a virtude defendida por Sócrates no Fedro de Platão e admira-o pela última vez na praia inóspita e deserta do Adriático.

As derradeiras peripécias vividas pelo escritor de passagem pelo complexo balneário do Véneto começam com o seu próprio nome e findam com a palavra morte, reduzindo-a da introdução ao epílogo no tema axial do drama representado na novela. As alusões iniciais à capela mortuária do cemitério norte de Föhring (Ⅰ) e a ilha do cemitério de San Michel (Ⅴ) servem de moldura ao canto de abertura ou párodo e ao canto de saída ou êxodo, i.e., o α e ω trágicos executados por um grupo de músicos ambulantes à entrada da cidade (Ⅲ) e por uma banda de cantores de rua no jardim à frente do hotel (Ⅴ). Os rumores e boatos duma epidemia ignota, desmentidos pelas fontes oficiais e calados pela imprensa local, a notícia dos cheiros nauseabundos e a sucessão de cadáveres negros chegam aos jornais alemães e ao conhecimento do cinquentão grisalho disfarçado de falso jovem para agradar ao vero jovem de catorze anos. O negacionismo comum em situações similares de pandemia é revelada, a cólera indiana invade com passo firme o espaço cénico, as gôndolas assemelham-se a caixões infindáveis e confirma-se a caminhada irreversível e sem marcha-atrás possível da anunciada morte em Veneza.

1 de novembro de 2021

Os princípios igualitários inquinados

Banksy - Devolved Parliament - Question Time (2009)
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«Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros»

O sétimo mandamento da quinta dos animais, concebido por George Orwell no Triunfo dos porcos (1945), foi adulterado a breve trecho pelos mentores do Animalismo, convertendo-se na única norma de conduta social pós-revolucionária na propriedade. Ao princípio inicial da igualdade perante a lei - todos os animais são iguais -, seguiu-se uma mais operacional e conveniente apostilha - mas alguns são mais iguais do que outros.

O lema da união europeia (2000) afirma estarem todos os seus signatários Unidos na diversidade, a dar fé na igualdade das línguas utilizadas. Só que algumas são mais iguais do que outras. Mesmo após o Brexit, o inglês continua a impor-se às demais, anulando o princípio formal do multilinguismo. A menos que o maltês e o irlandês tenham sido trocados em Malta e na Irlanda pelo idioma imperante no Reino Unido.

A carta das nações unidas (1945) estabelece que a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros (cap,  art.º 2, § 2). Porém, alguns são mais iguais do que outros. Dos 193 países da ONU, só 15 têm assento no Conselho de Segurança: 10 eleitos por dois anos, os 5 restantes com caráter permanente e direito a veto. Unidos, unidos sim; mas nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Em democracia, todos têm os mesmos direitos e deveres. Garante-se que a igualdade de oportunidades dos cidadãos constitui um princípio universal. Nas monarquias, alguns são mais iguais do que outros. Só os filhos dos reis podem ser reis a título vitalício. O mesmo se diga dos imperadores, grão-duques, príncipes e demais testas coroadas. O sangue azul ainda retém as mesmas regalias de casta nestes tempos de pseudoigualidade. 


todos os santos são iguais, mas uns que são mais santos do que outros. Até têm direito a um dia festivo só para si ou até a vários, ainda que mudem ligeiramente de nome. Outros são postos numa mesma data, com ou sem feriado associado, em grupos variáveis, numa multidão de anónima santidade. Na esfera celestial tal como na terráquea, há ainda muito a dizer sobre os princípios igualitários inquinados em vigor.

Fra Angelico, Predella della Pala di Fiesole (1422)