29 de março de 2023

Bretanha, o meu país do coração

Faïencerie de Pornic - Collection Bécassine

    Breizh, ma bro eo a galon    

Nasci em meados do século passado na Estremadura e renasci 20 anos depois na Bretanha. Mais ano menos ano nos dois casos tanto faz. Uma amizade com essa idade pelas ar c'hoarezed P* estará na origem dessa ligação tão persistente e incondicional. Logo de seguida vem o charme natural do pays breton.

As visitas periódicas aos territórios armoricanos continentais do Rei Artur tornou-se uma prática regular que só o Covid-19 rompeu. O regresso ao fim de meia dúzia de anos a Roazhon, a capital celta do meu país do coração, terra de magos, profetas, fadas, lendas e histórias dos cavaleiros da Távola Redonda.

Les fougères, les ajoncs et les bruyères des landes m'attendaient déjà à l'arrivée. Les genêts aussi, à cotê des chaumières bretonnes dans la campagne et des maisons à pans de bois en ville. Un vrai paradis en terre. J'ai donné les bonjours à tous les copains et copines et j'ai profité au maximum le séjour.

De regesso, apercebi-me que nunca participei num fest-noz, nunca dancei uma gavotte ao som dum bagad ou dum kevrenn de binious e bombardes. Boa razão para voltar ao bro armor hag bro argoat, comer une galette-saussice, um far breton ou um kouign-amann e beber uma bolée de cidre bem tirada. Ça y est !

   BOLÉE DE CIDRE
GLOSSÁRIO
Breizh, ma bro eo a galon: Bretanha, o meu país do coração; ar c'hoarezed: as irmãs; Roazhon: Rennes; fest-noz: festa de noite; gavotte: dança; bagad: banda; kevrenn: grupo; binious: gaitas-de-foles; bombardes: bombardas, oboé; bro armor hag bro argoat: país do mar e país dos bosques; galette-saussice: galette de de trigo sarraceno com uma salsicha;  far breton: bolo de farinha e ameixas bretão; kouign-amann: bolo de manteiga;  bolée de cidre: tijela de cidra.

LA BLANCHE HERMINE, L'EMBLÈME DE LA BRETAGNE

23 de março de 2023

Fragmentos bimilenares duma história grega de amor e aventuras peregrinas

Carruagem micénica 1300-1200 AEC
Fresco do palácio micénico II
NINO & SEMÍRAMIS
B I: Pois não estava ela privada da sua mãe em tão grande desgraça. Ele havia-a seguido sem trégua, rasgando-lhe os vestidos de modo pouco adequado à sua dignidade. Chorava, derramando lágrimas e batendo no peito, completamente fora de si, como se estivesse louco. Ela saltou da cama e quis repreendê-lo por essas coisas, e Nino, apertando-a suavemente nos braços, perguntou-lhe:
— Por acaso, alguém te veio dizer que eu sou um corruptor de virgens? Seja.
Então, enquanto a mãe lhe sorria docemente, a menina, envergonhada, disse:
— Assim, raptada, me tens, e talvez eu também to possa mostrar claramente. De facto, não quero colocar mais perigo em todos nós do que antes.
— Não era só isso que eu temia que tivesses suspeitado.
Mas vamos, tem confiança agora e que no futuro se acredite no que eu jurei muito além do próprio juramento. Reconciliados, ficaram juntos todo o dia todo, todo o tempo que não lhes foram retirados pelos deveres militares; e Eros não os inflamava de modo insuficiente, enfraquecendo o presente com a saciedade da convivência, mas antes perturbava-os, levando-os a refletir sobre a separação que já estava próxima. Na verdade, quando a primavera ainda não estava no seu clímax ... o general dos arménios...

B II: ...dos desarmados, para recrutar entre os nativos. E concordando também com o pai, Nino levou todo o contingente de tropas de helenos e cários, os milhares de soldados de elite dos assírios: setenta mil de infantaria e trinta mil ginetes, e cento e cinquenta elefantes, avançou. 
Eles tinham medo do frio e da neve das passagens nas montanhas, mas o Noto veio inesperadamente, doce e muito mais estival do que a estação em que estavam, e foi capaz de derreter a neve e dar aos caminhantes uma atmosfera agradável além todas as expectativas. Na verdade, eles estavam mais exaustos atravessando os rios do que caminhando pelos cumes das montanhas. Houve algumas perdas de animais de tração e criados, mas o exército estava intacto, e pelo mesmo que arriscara manteve-se mais valente diante dos inimigos, pois superada a intransitabilidade das estradas e a enorme magnitude do rios, eles pensaram que pouco trabalho daria para capturar os armênios cheios de loucura.
Nino invadiu a área do rio carregando uma grande quantidade de saque e estabeleceu um acampamento fortificado em uma planície. E levando dez dias para eles se recuperarem, especialmente os elefantes, fatigados nas passagens nas montanhas, quando ele soube que estava avançando com muitos milhares de homens, ele reuniu suas forças e as dispôs para a batalha. Ele colocou a cavalaria nas alas, a infantaria leve, os ginetes e todo o corpo da guarda real nos flancos da cavalaria, e no meio dispôs a falange de infantaria. Ao contrário, os elefantes, separados uns dos outros e equipados com arreios em forma de torre, foram colocados na frente da falange, deixando um espaço suficiente no meio. Entre cada um deles havia também um espaço, os batalhões sendo bem separados, de modo que, se os animais corressem descontroladamente, eles poderiam passar para trás.
Assim, então, organizou-se a ordem de batalha das companhias, de acordo com a conveniência de cada um, para que pudessem cerrar fileiras assim que necessário, e separar novamente, uma para deixar passar as feras, a outra. para impedir a incursão de inimigos.
Então Nino, assim ordenando suas forças, cavalgou na vanguarda e, estendendo as mãos como se suplicasse, disse: 
— Aqui está o fundamento e a base de minhas esperanças. A partir de hoje, ou irei governar mais territórios ou perderei também as terras do leste. Bem, das batalhas contra o Egito, as do outro inimigo...
ANÓNIMO, Nino e Semíramis, papiro P. Berol. 6926, frag. 1, c. Séc. I AEC
Obs.:
A recordar que a imaginação grega deu forma à lírica e à epopeia, inventou o drama e criou o romanceEste fragmento é o mais antigo que até nós chegou ‒ sem nome de autor, sem título atribuído e sem data de redação  e está centrado na história lendária de Nino e Semíramis, reis assírios do Séc. IX  AEC.

14 de março de 2023

A bicicleta

Mart Aire - Bicicleta

MEMÓRIAS ANTIGAS & RECENTES  
O Menino Jesus da minha tenra idade ofereceu-me um triciclo de madeira e metal. Usei-o anos a fio enquanto as pernas me deixaram. Pedalei sem parar no largo do chafariz d’el-Rei, pegado à minha residência de infância, e nos trilhos da Escola Agrícola, local de labuta do pai e de recreio dos filhos. Troquei-o em miúdo pelas bicicletas com rodinhas, alugadas à hora no parque da Rainha D. Leonor, e, em graúdo, por uma de duas rodas lá de casa. A pouco e pouco deixei-a parqueada nos recantos mais secretos da memória.

Estive uma longa temporada sem pegar numa bicicleta. Atravessou todo o período escolar e parte do laboral. Aceitei o desafio dum grupo de colegas e peguei muito timidamente numa. Recuperei a destreza perdida nos trilhos e veredas da Ria Formosa e na malha urbano-rural da cidade da Santa Maria Ibn Harun. Tornei-me mais afoito durante as férias de verão gozadas além-fronteiras. Fi-lo acirradamente  nos rails en kanalen flamengos, nas pistes cyclables bretãs do canal d'Ile et Rance e nos havkyster bálticos do Øresund.

O desgaste dos dias e das noites, as maleitas duns e doutros e os confinamentos da pandemia puseram um ponto final no ciclismo amador dos tempos livres. A bicicleta ressentiu-se da paragem forçada e prolongada. Enferrujou. Vive agora livre de cuidados num local tranquilo rodeado de laranjeiras a aguardar uma recuperação total ou uma viagem direta para ferro-velho. Jubilação merecida para quem deu tantas voltas por onde a levaram sem nunca ter tido um destino certo no horizonte. Paz à sua alma. Descanse em paz.

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7 de março de 2023

Acordes de zarzuela en la ciudad del Cid


Recuerdos lejanos alrededor de medio siglo de existencia me susurran al oído que en aquel invierno del 73/74 hacía un frío glacial en Castilla y León. Por primera vez en mi vida supe lo que eran los menos de -20ºC en la calle. ¡Horrible! Afortunadamente, la calefacción central del apartamento garantizaba una temperatura superior a los 20ºC. ¡Estupendo! Bueno para dar unas vueltas durante el día por la ciudad y quedar en casa toda la noche. 

No me acuerdo de su nombre de pila y no estoy seguro del de cuna. Podría llamarse don Juan, José o Javier Rodríguez de Todos los Santos. Para nosotros era solo el Abuelo de Burgos. Era un anciano severo, señor de pocas palabras, que quedava largos ratos sentado en un sillon de su despacho a leer, a escribir o a escuchar música. Una noche me acerqué de la puerta de su rincón personal y oí una aria de zarzuela en su interior. Ya no me acuerdo cuál. 

Un impulso me hizo mirar hacia adentro y mi abuelo prestado me vio. Me invitó a entrar y me preguntó si yo conocia la zarzuela. Le dije que si, que aún había asistido a un concierto como parte de una Semana de España en Lisboa. No supe decirle lo que había visto. Me dió entonces una silla y me hizo escuchar pista por pista, area por aria, disco por disco para identificar las melodías. Recordé algunas. Una de ellas fue, sin duda, El barberillo de Lavapies.

Al final de la velada, mi anfitrión me invitó a volver cuando quisiera para escuchar tranquilamente sus 33+1⁄3 rpm, los de zarzuela y todos los demás que tenía a su disposición. Que yo sepa, nunca había tenido tal aprecio con sus nietos de sangre, quizás porque sabía de fuente segura que no les gustaba la música clásica y teatral o no tenían ganas de charlar con él. No volví a hacerlo, pero me tocó hondo una cortesía tan casual de mi abuelo español.

El Teatro de la Zarzuela de Madrid reclama mi presencia hace una eternidad. Jamás contesté esa invitación tan insistente. ¡Lástima! Esta temporada aún podría disfrutar de La violación de Lucrecia, del Trato de favor o de Luisa Fernanda. Ya lo veré en la programación siguiente. Me encantaría hallar Doña Francisquita, La boda de Luis Alonso o La verbena de la Paloma en la cartelera. Me daría igual y me marcharía pronto para halagar con una de ellas. ¡Seguro! 

Teatro de la Zarzuela - Programación 2022-2023