14 de março de 2023

A bicicleta

Mart Aire - Bicicleta

MEMÓRIAS ANTIGAS & RECENTES  
O Menino Jesus da minha tenra idade ofereceu-me um triciclo de madeira e metal. Usei-o anos a fio enquanto as pernas me deixaram. Pedalei sem parar no largo do chafariz d’el-Rei, pegado à minha residência de infância, e nos trilhos da Escola Agrícola, local de labuta do pai e de recreio dos filhos. Troquei-o em miúdo pelas bicicletas com rodinhas, alugadas à hora no parque da Rainha D. Leonor, e, em graúdo, por uma de duas rodas lá de casa. A pouco e pouco deixei-a parqueada nos recantos mais secretos da memória.

Estive uma longa temporada sem pegar numa bicicleta. Atravessou todo o período escolar e parte do laboral. Aceitei o desafio dum grupo de colegas e peguei muito timidamente numa. Recuperei a destreza perdida nos trilhos e veredas da Ria Formosa e na malha urbano-rural da cidade da Santa Maria Ibn Harun. Tornei-me mais afoito durante as férias de verão gozadas além-fronteiras. Fi-lo acirradamente  nos rails en kanalen flamengos, nas pistes cyclables bretãs do canal d'Ile et Rance e nos havkyster bálticos do Øresund.

O desgaste dos dias e das noites, as maleitas duns e doutros e os confinamentos da pandemia puseram um ponto final no ciclismo amador dos tempos livres. A bicicleta ressentiu-se da paragem forçada e prolongada. Enferrujou. Vive agora livre de cuidados num local tranquilo rodeado de laranjeiras a aguardar uma recuperação total ou uma viagem direta para ferro-velho. Jubilação merecida para quem deu tantas voltas por onde a levaram sem nunca ter tido um destino certo no horizonte. Paz à sua alma. Descanse em paz.

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1 comentário:

  1. Que pena! A bicicleta bem que gostaria de continuar pedalando...

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