12 de julho de 2023

Natsume Sōseki, Kokoro: as batidas do Coração ou o testamento do Mestre

『私だからここでもただ先。はその人を常に先生と呼んでいたこれは世間を憚。生と書くだけで本名は打ち明けない はば かる遠慮私はそ。その方が私にとって自然だからである、というよりも筆。といいたくなる」先生「すぐ、の人の記憶を呼び起すごとにを執 と よそよそしい頭文字。っても心持は同じ事である。ても使う気にならな。』

Li algures por aí ser Natsume Sōseki considerado um dos mais apreciados ficcionistas japoneses e ser Kokoro: o Testamento do Mestre (1914) o seu romance mais lido e conhecido em todo o mundo. Encontrei-o sem dificuldade no passado mês de abril na primeira livraria onde entrei, numa posição de destaque das obras mais vendidas à data da sua edição entre nós pela Presença. Peguei no último exemplar disponível e trouxe-o debaixo do braço para casa. Depois li-o muito lentamente, a fim de degustar à perfeição todas as suas potencialidades e aqui vão as minhas notas de leitura.

Publicado dois anos antes da morte do autor em forma de folhetim num jornal de grande circulação, encontra-se divido em três partes, a rondar as três centenas de páginas. Trata-se dum relato psicológico de primeira pessoa, confiada à pena dos protagonistas, o jovem narrador anónimo [I-II] e o enigmático ancião designado por mestre [III]A estrutura seguida pela entidade emissora externa remete-nos para duas histórias autónomas ligadas pelas cumplicidades tecidas entre si. O mais novo começa por descrever as casualidades que o levaram a conhecer aquele que elegerá como mentor, passando depois a desvelar as particularidades de silêncios e traições do seu entorno familiar, com especial incidência nos pais e tios. O mais idoso envia ao pupilo uma longa carta, onde lhe revela um segredo do seu passado sobre a morte inesperada dum amigo e que apresentará como um verdadeiro testamento de vida.

Ao longo dos 109 capítulos constitutivas da tessitura dramática, o testemunho pessoal das instâncias narrativas estabelece uma série de paralelismos simbólicos que nos conduzem para o final inexorável da Era Meiji (1868-1912), aquela que marcara a viragem definitiva do sistema feudal dos xoguns para o poder central do imperador. A morte anunciada do pai do Narrador por diagnóstico médico e o suicídio do Mestre por confissão epistolar apontam decididamente para esse momento crucial da história recente do País do Sol Nascente, a passagem dum tempo que já era para um tempo dum há de ser. Mas sobre esse período desconhecido das personagens intervenientes na urdidura discursiva nada transpira nem podia transpirar. Provavelmente nem o autor estaria ciente que a agitação bélica então iniciada acabaria por conduzir o Japão para Primeira Grande Guerra e à sua derrota completa na Segunda.  

Finda a leitura dum autor-obra que vi anunciado não sei muito bem onde, fica a fascinante sensação de estranheza ante as confissões postas a nu nas páginas dum livro confiado ao olhar exótico dum leitor ocidental, pouco habituado a decifrar as particularidades ancestrais da sensibilidade nipónica. Estranheza lhe chama Tanikawa Tettsuzō no Prefácio que dedica à história contada por um universitário sem nome de Tóquio e vivida por um conjunto de outros atores nomeados simplesmente por formas educadas de tratamento cerimonioso, com uma equivalência muito relativa entre nós: Sensei (mestre), Okusan (esposa) Ojosan (filha), ou K-san (senhor K). Obscuro também o título kokoro mantido na versão portuguesa, traduzível por coração, a par de afeição, espírito, coragem, determinação, sentimento e até cerne das coisas. Palavra-chave, em suma, para proceder à síntese de todo o texto, centrado nos mistérios do amor e do destino, sem esquecer o poder fundamental da amizade cultivada pelos seres humanos, por certo a experiência mais intensa da vida.

EPÍGRAFE 
Sempre lhe chamei Mestre: é por isso que neste livro também só lhe chamarei Mestre, sem revelar o seu verdadeiro nome. Não é tanto que aos olhos do mundo eu o receasse fazer. Mas este nome Mestre é para mim o mais natural. Sempre que me recordo dele, «Mestre» está nos meus lábios; assim como também quando escrevo, o mesmo nome está sob a minha pena. Nem me ocorre recorrer a frias iniciais.
Natsume Sōseki, Kokoro (1914)

2 comentários:

  1. Obrigada pela deliciosa apresentação da história narrada e urdida, do contexto em surgiu e o mais encantador, a semântica de Kokoru.

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  2. Desconhecia totalmente o escritor.
    Muito interessante.

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