8 de novembro de 2023

Rostos & Nomes

Retratos de Fayoum

O mal e o bem à cara vem...
Nas fotos de grupo da escola primária, reconheço-me no rosto que então tinha, recordo os rostos que entretanto fui tendo, revejo-me no rosto que agora tenho. Esqueci-me dos nomes dos meninos que comigo pousaram para memória futura. Sumiram-se completamente na sombra dos dias, anos e décadas que nos foram separando. Duvido identificar o rosto e nome de qualquer um deles que por mero acaso se venham a cruzar comigo na rua.

O mesmo se diga das fotos que até mim foram chegando dos tempos passados nos bancos da escola antiga do ciclo e dita nova do secundário. Os nomes registados por baixo de cada rosto dos jovens colegas com quem convivi diariamente nada me dizem. Perdi-lhes o rasto por largas temporadas e os reencontros fortuitos ocorridos muito depois mais não são do que ecos distantes duma época remota deixada sem horizonte visível.

Olho-me ao espelho e identifico-me no que fui e no que sou. Continuo a saber de quem se trata. Do mal o menos. Reconheço os rostos de quem vejo todos os dias. Com quem falo ou me limito a olhar. Vejo e sou visto. Reconhecem-me o rosto e até me acertam no nome. Ensaio uma resposta idêntica e falho cada vez mais no intento. Apagam-se-me os nomes de muitos deles e chego a duvidar se alguma vez os soube e soletrei. Do mal a pior.

Se, tal como reza o refrão, o mal e o bem ao rosto/cara vem, a grande esperança é que esta continue a refletir a imagem daquilo que fomos, somos e seremos, sempre com um nome abonável à arreata. As raias exatas da memória são difíceis de traçar e as perdas da faculdade de lembrar são seletivas e cruéis. Que a variabilidade dos traços do rosto se vão dando dia após dia, mas que sem falhas permaneça inalterado o nome preciso que lhe for dado.

Rostos sem Nome

3 comentários:

  1. Assim como a gente se revê na canção de Roberta Flack, "killing me softly with his song, telling my whole life with his words", assim me revejo nas tuas palavras. Afinal, nascemos no mesmo ano... Há bocado, tentava lembrar-me do nome da vizinha que, tendo aprendido com o marido pequenos truques bem úteis, simpaticamente me resgatou as chaves que deixei cair no "buraco" do elevador. Vizinha com quem me vou cruzando no cabeleireiro também, pelo que a situação ainda me pareceu mais caricata. Ao meter as chaves à porta lembrei-me de repente: "Alice". Espero que os dois agradecidos abraços que lhe dei tenham disfarçado a situação! Enfim, mais vale rir...

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  2. Reflexão profunda e brilhante. Mesmo com a memória apagando traços que não se apresentam por muitos anos, a capacidade de raciocinar e reflectir sobre os acontecimentos, a experiência, é uma compensação, alternativa enriquecedora. Valorizada em culturas outras...

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  3. Tão real a sua reflexão.
    Cada cada dia que passa demoro mais tempo a associar o nome ao rosto.
    Estratégias precisam-se…

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