22 de novembro de 2023

As rainhas proscritas

  Beatriz de Borgonha & Joana de Trastâmara  
António de Holanda

A história oficial dos países é sempre contada pelos vencedores e quando, a posteriori, se aplicam os ditames do politicamente correto, tendemos a cair nos trilhos movediços do cronologicamente errado. Assim aconteceu com o destino dinástico de Beatriz de Borgonha e de Joana de Trastâmara, legítimas herdeiras de Fernando I de Portugal e Algarve e de Henrique IV de Castela e Leão. A seu tempo aclamadas, destronadas, proscritas, vencidas, banidas. Reduzidas de rainhas soberanas do país de origem a rainhas consortes do país vizinho.

À distância de três únicas gerações, as filhas reconhecidas do rei Formoso e do rei Impotente foram privadas do direito monárquico que as assistia de reinar. A ausência da apresentação dum conjunto de formalidades legais comprovadas cometidas por ambas foi substituída nos dois casos por hipotéticas acusações da infidelidade das mães, Leonor Teles e Joana de Avis, a Aleivosa e a Leviana. Um recurso eficaz seguido pelas mais altas esferas das duas cortes ibéricas em tempos agitados de guerra civil e de agitação política.

Nesta muito oportuna versão coroada de pecado original torna-se particularmente difícil encontrar um pai alternativo para a infanta portuguesa casada aos dez anos com o rei João I de Castela e Leão, remota que é a ideia de a atribuir ao conde galego João Fernandes Andeiro. Ficou assim privada dum epíteto aviltante idêntico ao da sua prima em terceiro grau, a Beltraneja, depois transformado num outro de cariz elogioso, a Excelente Senhora, ao tornar-se na consorte real do tio D. Afonso V de Portugal e Algarve.

Os reinados de facto e de jure de Beatriz de Borgonha e de Joana de Trastâmara nos seus torrões de berço terminam de vez após as batalhas de Aljubarrota (14.08.1385) e do Toro (6.04.1474), quando os respetivos cônjuges e reis titulares são vencidos pelos novos soberanos efetivos das duas coroas peninsulares, o Mestre de Avis do lado de cá da fronteira e Isabel-a-Católica do lado de lá. A longa agonia das rainhas consortes de jure uxoris começava então até ao seu desaparecimento final sem honra nem glória dignos de memória.

Num ato de reparação tardia, alguns catálogos reais começaram a incluir nas suas listagens de monarcas o Prior do Crato, teimando a omitir a sobrinha do rei da Boa Memória. É o que acontece, v.g., na Cronologia dos Reis de Portugal, publicada pela Casa Real Portuguesa na sua página oficial da Net. Ostracismo permanente que continua a marginalizar a última rainha aclamada, jurada e com moeda cunhada da primeira dinastia. Mistério insondável que o sangue azul dos Bragança saberá explicar, se estiver para  virado.

PENDÕES REAIS DE CASTELA-PORTUGAL & DE PORTUGAL-CASTELA
Juan I de Castilla y Beatriz de Portugal  |  Afonso V de Portugal e Joana de Castela

1 comentário:

  1. Tramas que a história dos homens tece... Li o romance A Beltraneja, de Almudena de Arteaga, mas nada sobre Beatriz de Borgonha. É na verdade muito interessante a coincidência das suas histórias.

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