13 de dezembro de 2023

F. Scott Fitzgerald, o retrato cromatizado da ascensão e queda do Grande Gatsby

In my younger and more vulnerable years my father gave me some advice that I’ve been turning over in my mind ever since.
‒ Whenever you feel like criticizing any one ‒ he told me ‒, just remember that all the people in this world haven’t had the advantages that you’ve had.
He didn’t say any more but we’ve always been unusually communicative in a reserved way, and I understood that he meant a great deal more than that. In con-sequence I’m inclined to reserve all judgments, a habit that has opened up many curious natures to me and also made me the victim of not a few veteran bores.

A leitura dum livro começa obrigatoriamente pelo título que lhe foi dado. Alguns passam-nos completamente ao lado quando o vemos estampado na capa do exemplar que abriga, sugere e sintetiza os enredos que nos são oferecidas no seu interior. Outras, ao revés, começam desde logo a desvendar-nos os segredos que a trama discursiva nos promete revelar, se resolvermos transformar o impulso inicial e partir à aventura da descoberta. A sonoridade das palavras compostas no idioma original e na versão traduzida começaram a convidar-me há muito a satisfazer de vez a atração que a aliteração verbal conseguida por F. Scott Fitzgerald imprimira à vida inventada n'O grande Gatsby (1925) sem que, entretanto, o tivesse aberto, lido e arrumado calmamente numa estante cá de casa. Fi-lo agora numa edição de bolso, o tamanho ideal para alojar as obras maiores em espaços exíguos onde as impressões encadernadas de luxo deixaram de caber.

Antecedi o acesso às tramoias urdidas no romance quase centenário com uma leve lembrança da visão filmada há uma década precisa por Baz Luhrmann. Tive de acudir ao official trailer para recordar minimamente a tecedura narrativa ali concebida. De pouco me valeu. Para além do esplendor estravagante de algumas cenas, a memória recusou-se a fazer um armazenamento a longo prazo dos 142 minutos de imagens em movimento as então visionadas a cores num canal televisivo. Sem perda de tempo, lancei-me às 216 páginas impressas a preto e branco do tomo de pequeno porte trazido do escaparate duma livraria. Em nove únicos capítulos, o percurso de vida de Jay Gatsby foi-me revelado pelo olhar atento de observador de Nick Canaway, o vizinho provinciano do milionário subido a pulso que protagoniza o drama, representado no primeiro quartel do século xx entre os ficcionados West Egg e o East Egg da Long Island, nas imediações de Nova Iorque.

A história da ascensão e queda do Grande Gatsby levou cinco anos a erigir e três meses a ruir. É-nos revelada pelo testemunho subjetivo dum narrador-deuteragonista intra-homodiegético de focalização externa, i.e., um participante na intriga como personagem secundário que se limita a converter num retrato cromatizado os episódios que presenciou, os diálogos em que se viu envolvido e as versões que lhe foram confidenciadas. O insólito da situação vivida nesse verão extremamente quente de 1922 desenrola-se num conjunto muito escasso de espaços, com a ação centrada sobretudo nas mansões dos principais atores em palco, banhadas umas e outras pela fusão das águas salgadas do oceano com as doces oriundos dos rios que desaguam no extenso estuário do Sound. Tudo se resume ao fatídico cruzamento dos vértices dum duplo triângulo amoroso extraconjugal, que culmina com a saída de cena trágica de três dos seus intérpretes, incluindo o cabeça de cartaz que dá nome à peça.

Mais do que enveredar pelo roteiro clássico dum filme de Série B, pelo melodrama novelesco de faca e alguidar ou pelas vias trilhadas por uma mera comédia de enganos, o relato no seu todo resulta numa bem-lograda reconstituição das principais fases do sinuoso percurso existencial do biografado, pautadas todas elas pelo peculiar contexto histórico que marcou a época. Anos Loucos lhes chamaram alguns, para ilustrar o estilo de vida alienado e superficial então praticado pela designada Geração Perdida, aquela que criara os contrastes da Era do Jazz, que fazia tábua rasa da Lei Seca, que cultivava o esplendor estravagante da Art Déco e que guiava a passos largos a magnificência decadente dos Novos-Ricos para a Queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque no final da Década de 20. A escalada do herói/anti-herói central retratado dum zé-ninguém para um magnata de sucesso funciona como uma sátira a todos os gigantes com pés-de-barro colocados nos píncaros dum sucesso efémero alcançado na busca a todo o custo do materialismo insano contido no mítico Sonho Americano. A missão dos enunciadores do discurso chegara ao seu termo lógico. A rematar, ainda nos alertam para o facto de continuarmos a seguir os barcos contra a corrente, incessantemente puxados de volta ao passado. Uma advertência pretérita a alertar um porvir distante, que até pode ser o nosso.

3 comentários:

  1. Prof, que belo texto pedagógico! Ontem, no metro, uma loura jovem lia The Great Gatsby perfeitamente alheia a todos, mesmo à minha pessoa, que curiosamente inclinara a cabeça para ver o título... O dramatismo do romance continua a seduzir leitores, o que bem entendo pois já lá fui à estante recuperá-lo para nova leitura. O filme assinala bem o drama do enredo e, embora com os excessos cinematográficos da época, gosto de o rever quando a TVCabo se lembra de o trazer de novo aos ecrãs televisivos e lembrar que muitos continuam a querer também o sonho americano...

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    1. Isabel Trüninger de Albuquerque18 de dezembro de 2023 às 12:37

      É verdade, Artur, como a Ernestina, fiquei com saudades da leitura deste livro. Que belo texto!

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  2. Não li o livro mas já vi n vezes o filme Mid Night in Paris com as pequenas traições da Zelda Fitzgerald...e aqueles ambientes loucos dos anos vinte nos quais só o W. Allen seria capaz de nos envolver tão bem. Depois o mundo mudou e agora um século depois está de novo a mudar.

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