1 de dezembro de 2023

Conexões e ruturas ibéricas

Portugalia & Hispania

Lucas Jansz Waghenaer, Europa Ocidental, 1588

Na visão centralista dos Áustrias, Castela e Leão imperavam nos seus domínios ibéricos herdados, conquistados e comprados, com uma espada erguida na mão direita e o globo terrestre na esquerda. O brasão de armas completo de Felipe II é elucidativo dessa realidade ilusória, que alentou o sonho hegemónico espanhol desde a subida ao trono português em 1580 até à queda de Filipe IV desse mesmo trono em 1640. Um elmo central a presidir e os laterais submissos a admirá-lo, ou seja, os dragões alados luso-aragoneses a prestarem vassalagem ao leão acastelado da soberania hispânica unificada.

Trezentos e cinquenta e cinco anos após a assinatura do tratado de Madrid em 1668, que pôs termo a vinte e oito anos de guerra (da Aclamação lhe chamaram na altura e da Restauração em tempos mais recentes), voltou a ouvir-se falar com insistência na hipotética reversão desta separação peninsular. Desconheço ao certo quantos portugueses aceitariam de bom grado esta segunda união ibérica, muito embora algumas sondagens de opinião efetuadas no país vizinho afirmem ser francamente favoráveis. Duvido. Presumo que o grau de aceitação espanhola possa ser superior à nossa. Alvitro.

As vantagens duma tal associação até poderiam ser úteis para ambas as partes, se entretanto as querelas separatistas que continuam a grassar do lado de da fronteira fossem debeladas de vez e as reservas levantadas do lado de cá não agudizassem ainda mais a situação. O problema da centralidade de Madrid (em detrimento de Lisboa/Barcelona), o predomínio do castelhano (em concorrência com o português/catalão), o regime político adotado (em oposição à república/monarquia). Admitir por fim que a unidade desejada terá de passar por um modelo federativo de estados independentes entre si.

Celebra-se hoje a independência da Casa de Bragança face à Casa de Áustria, efeméride festejada efusivamente pelos saudosistas duma Monarquia extinta e olhada com indiferença pelos cidadãos comuns da República vigente. Neste mesmo dia de há cinco anos, frui em Sevilha a chegada da reforma, aposentação ou jubilação, como se lhe queira chamar, consoante o gosto de cada um ou a casta profissional a que se pertença. Independência lhe chamo eu. Sem feriado nacional, sem drama pessoal, sem vivas ou bota-abaixo. Recebi-a de ânimo leve, braços abertos e votos de boas-vindas.

8 comentários:

  1. ADENDA: Inesperadamente, como há cinco anos, celebrei em Sevilha a minha passagem à situação de liberto da condição de jubilado de pleno direito, entrando assim simbolicamente na terceira idade da vida. O feriado do primeiro de dezembro foi sentido tão despercebido em terra hispana como terá passado identicamente no lado lusitano da fronteira. O divórcio ibérico parece que passou para a fase de apaziguamento...

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    1. Do lado deles têm muito mais com que se preocupar, nomeadamente com as independências…

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    2. Ainda não perceberam que a solução está na substituição duma monarquia compósita disfarçada para uma república federativa real...

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  2. Dois povos tão diferentes, como tenho constatado desde os meus 22 anos, em férias passadas no país vizinho... Uma união Ibérica só iria conduzir a mais guerras internas, como as que continuamos a presenciar no país dito irmão.

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    1. O desconforto que sentimos em 1640 é muito semelhante ao desconforto que catalães, bascos e galegos ainda sentem nos nossos dias. É que de facto, então como agora, a unidade dinástica imposta pelos laços familiares nunca correspondeu a uma verdadeira unidade política do estado ou unidade nacional dos povos...

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  3. Mas, convenhamos, uma união ibérica de estados ou nações independentes talvez não fosse uma má ideia.

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    1. A ideia é boa, assim as atuais autonomias espanholas consigam encontrar um equilíbrio estável semelhante àquele que nós encontrámos há muito dentro das nossas fronteiras: o convívio harmonioso entre os conceitos de estado, país e nação.

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  4. Curiosamente (ou talvez não) sinto-me mais confortável na Catalunha do que na Andaluzia. E não, não quereria a unificação.
    E sim, é um júbilo uma pessoa jubilar-se para se libertar de um ninho de burocracias inúteis e de outros males...

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