11 de janeiro de 2024

Amin Maalouf, as cruzadas ocidentais à Palestina vistas pelo olhar oriental árabe

« Ce livre part d'une idée simple : raconter l'histoire des croisades telles qu'elles ont été vues, vécues et relatées dans " l'autre camp ", c'est-à-dire du côté arabe. Son contenu repose, à peu près exclusivement, sur les témoignages des histo-riens et chroniqueurs arabes de l'époque. Ces derniers ne parlent pas de croisa-des, mais de guerres ou d'invasions franques. Le mot qui désigne les Francs est transcrit différemment selon les régions, les auteurs et les périodes: Faranj, Faranjat, Ifranj, Ifranja... Pour unifier, nous avons choisi la forme la plus conci-se, celle surtout qui sert aujourd'hui encore dans le parler populaire à nommer les Occidentaux, et plus particulièrement les Français : Franj»
Amin Maalou, Les croisades vues par les Arabes (1983)

Descobri a escrita luminosa de Amin Maalouf no Léon l'African (1986), o seu romance de estreia, logo seguido de Les Croisades vues par les Arabes (1983), o ensaio com que se lançara na república das letras e que agora voltei a visitar. À data da edição original francesa da biografia ficcionada de Hassan el-Wazzan (comerciante, diplomata, escritor e geógrafo árabo-andaluz conhecido por Leão-o-Africano), acompanhei com olhar atento o confronto que então se fez sobre a verdade histórica patente num e noutro relato, assentes em eventos acontecidos trazidos ao convívio dos leitores imersos nas veredas criativas do imaginário. Risco em boa hora assumido pelo autor desde o prefácio a estas cruzadas ocidentais à Palestina vistas pelo olhar oriental árabe até aos nossos dias referidos no epílogo. Plano ousado de sucesso garantido que o conduziria à vigésima nona poltrona da Académie française  pouco mais duma dúzia de anos (2011) e mais recentemente a seu secretário perpétuo (2023).

Seguindo de muito perto a tradição trilhada pelos cronistas islâmicos coevos, a referência e numeração das sucessivas cruzadas adotadas pela historiografia oficial cristã são substituídas pela identificação das fases que marcaram os cento e noventa e cinco anos de presença efetiva dos Roum (bizantinos) e Franj (francos) na Palestina: Invasão (1096-1100), Ocupação (1100-1128), Reação (1128-1146), Vitória (1146-1187), Adiamento (1187-1244) e Expulsão (1244-1291). Converte-os nas seis partes da resenha, agrega-lhes catorze capítulos expostos pela ordem em que se foram dando, enquadrando a sequência obtida por um prólogo e um epílogo breves, bem como por um conjunto de complementos contextuais facilitadores da tarefa interpretativa dos leitores atuais. A estrutura discursiva estava preparada para contrapor à versão europeia vigente a visão alternativa árabe anunciada no título destes anais modernos, compostos por um libanês semita de criação católica estabelecido em França.

Todas as histórias têm personagens que lhes dão vida num espaço e num tempo determinados. Estas Cruzadas não fogem à regra, só que os heróis/anti-heróis que as povoam e os adjuvantes/oponentes que lhes estão associados nessa Terra Santa de três convicções religiosas monoteístas em plena Idade Média variam segundo os pontos de vista do binómio narrador/narratário. Os bons para os Árabes serão necessariamente os maus para os Franj (e vice-versa), numa disputa actancial sangrenta entre os diversos sujeitos/objetos da contenda. Dada a multiplicidade-variabilidade dos eixos geradores do saber-poder-querer convocados, torna-se pouco viável identificar aqui com a imparcialidade exigida um nome único para simbolizar um vencedor/vencido em cada uma das partes envolvidas. Digamos que se terá destacado Godofredo de Bulhão, o conquistador de Jerusalém e primeiro soberano do Reino Latino que ali se formou (1099), e Saladino, o sultão do Egito e da Síria que reconquistou a cidade e liderou o final da presença cruzada no Levante (1187).

A Terra Prometida pelo deus de Abrão ao Povo Eleito transformou-se ao longo dos tempos na terra disputada pelas sucessivas civilizações que se adonaram da região. No período compreendido nesta sinopse histórica, o protagonismo foi jogado pelos adeptos ocidentais do Nazareno e os seguidores orientais do Profeta. Nos dias de hoje, todo esse torrão sagrado dos fiéis do Livro é disputado pelos crentes muçulmanos do Crescente de Maomé e os hebreus da Estrela de David, com o olhar atento dos antigos acólitos católicos da Cruz de Cristo. A posse definitiva da Palestina continua relegada para as calendas gregas, como nos dizem dia a dia os mass media globais. Paradoxo pertinaz no nosso horizonte de eventos que o deus único bíblico-corânico se incapaz de sanar. Na ausência dum desfecho previsível, fiquemo-nos com a memória da violência dos saques, carnificina, pilhagens, chacinas, massacres cometidos por basileus, imperadores, reis, sultões, califas e emires de então, a par dos atuais senhores do poder, sejam eles judeus, chiitas, sunitas, católicos ou ortodoxos, todos eles, em suma, farinha do mesmo saco.

3 comentários:

  1. Sempre foi complicado gerir pessoas e religiões e pelo que se vê, não tem melhoras. A religião e os seus dignitários estão sempre do lado do poder.
    Nunca os vi ficarem do lado das vitimas, salvo honrosas exceções.

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  2. Temos esse livro cá por casa e tenciono ler um dia. Do autor li "Leão, o africano" de que gostei muito e mais tarde li "Samarcanda".

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  3. Amin Maalouf é um autor de escrita mágica. Adorei não só este título, assim como Leão, o Africano, Samarcanda, O Rochedo de Tanios, Os Jardins de Luz...

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