«‒ Acorda, homem! Vamos para Tormes! O casarão deve estar pronto, a reluzir, a abarrotar de coisas! Os ossos de teus avós pedem repouso, em cova sua!... A caminho, a enterrar esses mortos, e a vivermos nós, os vivos!... Irra! São cinco de abril!... É o bom tempo da serra!»
– Porque enfim Vossa Excelência compreende – explicava o Silvério passan-do o guardanapo por sobre a larga face suada e por sobre as imensas barbas negras, como as dum turco –, naquela mixórdia… Oh! peço desculpa a Vossa Excelência! Naquela confusão, quando tudo desabou, não pudemos mais co-nhecer a quem pertenciam os ossos. Nem sequer, falando verdade, nós sabía-mos bem que dignos avós de Vossa Excelência jaziam na capela velha, assim tão antigos, com os letreiros apagados, senhores de todo o nosso respeito, cer-tamente, mas, se Vossa Excelência me permite, senhores já muito desfeitos… Depois veio o desastre, a mixórdia. E aqui está o que decidi, depois de pensar. Mandei arranjar tantos caixões de chumbo quantas as caveiras que se apanha-ram lá em baixo na Carriça, entre o lixo e o pedregulho. Havia sete caveiras e meia. Quero dizer, sete caveiras e uma caveirinha pequenina. Metemos cada caveira em seu caixão. Depois... que quer Vossa Excelência? Não havia outro meio! E aqui o sr. Fernandes dirá se não acha que procedemos com habilida-de. A cada caveira juntámos uma certa porção de ossos, uma porção razoá-vel… Não havia outro meio… Nem todos os ossos se acharam. Canelas, por exemplo, faltavam! E é bem possível que as costelas dum daqueles senhores ficassem com a cabeça de outro… Mas quem podia saber? Só Deus. Enfim fizemos o que a prudência mandava… Depois, no dia de Juízo, cada um destes fidalgos apresentará os ossos que lhe pertencerem.
[Lisboa, Livros do Brasil, s.d., cap. ix, pp. 120, 165-166]
Enquanto Eça não se muda para o Panteão Nacional, deixemo-lo falar da trasladação dos velhos Jacintos de Tormes, e os netos renitentes que se conformem...
ResponderEliminarMagnifico!
EliminarAinda bem que o Supremo rejeitou o recurso.
Eça de Queiroz merece mesmo honras de Panteão!
Eça... mais um daqueles tugas que Portugal desperdiçou.
ResponderEliminarExtraordinário Eça!
ResponderEliminarMaravilhoso Eça.
ResponderEliminarFoi com estranheza que soube da decisão... O Eça merece as honras, mas quereria ele que os seus ossos repousassem no Panteão?
ResponderEliminarProvavelmente nem lhe passava pela cabeça que tal pudesse vir a acontecer. Para todos os efeitos e que eu saiba, não o registou em nenhum lado. Trasladações para ele só a dos Jacintos de Tormes e descritas com muita ironia...
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