«Non abbiamo sbagliato niente, Lina, dobbiamo solo chiarire un po' di cose. Tu non ti chiami più Cerullo. Tu sei la signora Carracci e devi fare quello che ti dico io. Lo so, non sei pratica, non sai cos'è il commercio, ti pensi che i soldi li trovo per terra. Ma non è così. I soldi li devo far crescere. Hai disegnato le scarpe, tuo padre e tuo fratello sanno faticare bene, ma voi tre insieme non siete in grado di far crescere i soldi. I Solara sì, e allora - stammi bene a sentire - non me ne fotte niente se quella gente non ti piace. Marcello fa schifo pure a me, e quando ti guarda anche solo di sguincio, quando penso alle cose che ha detto di te, mi viene voglia di ficcarli un coltello nella pancia. Ma se mi serve per far crescere i soldi, allora diventa il migliore amico che ho.»Elena Ferrante, Storia del nuovo cognome (2012)
E a saga das duas amigas continua. Quando Lila se casou com o primogénito de Dom Achille, o papão dos contos infantis que tinham povoado o seu imaginário meninil, adotou o apelido do marido. Trocou o Cerrullo paterno pelo Carracci conjugal. Assim se justifica o sentido dado por Elena Ferrante à História do novo nome (2012), o segundo ato da Tetralogia Napolitana, aquele que trata da juventude da narradora e da narratária internas do romance, coprotagonistas também elas do mesmo. Retomei a leitura desta dupla peregrinação biográfica pouco depois de ter atravessado os anos iniciais de amizade de Lenù e Lina, as figuras centrais retratadas. Fi-lo apesar dos reparos que me foram fazendo, a alertar-me para o facto de se tratar dum longo relato memorialista de grande sucesso editorial, assente numa linguagem do dia a dia, sem grandes créditos literários atestados. Registei os anticorpos tecidos a seu respeito e prossegui a minha viagem retrospetiva sem problemas de transcurso.
Catalogado desde logo como um bestseller, vertido para uma trintena de idiomas e publicado nos mais diversos quadrantes geográficos, dificilmente o podemos inserir no grupo cimeiro almejado por todos das obras-primas intemporais do engenho artístico feito com palavras. É que se os primeiros se leem de cabo a rabo numa assentada, quase sem conseguirmos parar para respirar, a leitura dos segundos faz-se também de ponta a ponta, muitas vezes mais por dever que por prazer. Nestes casos extremos, ficamos com a sensação do final se achar nos confins dum mundo ignoto, muito para além do horizonte dos eventos visíveis. Muito melhor será navegar nas águas cristalinas dos livros de referência pessoal, aqueles em que nos obrigamos a percorrer muito lentamente, para retardar a chegada inevitável ao termo, certos, porém, que, mais tarde ou mais cedo, voltaremos à sua companhia uma e várias vezes, na íntegra ou parcelarmente. O maior obstáculo reside no facto destes últimos serem difíceis de encontrar e quase nunca coincidirem com os mais vendidos ou louvados.
A hipotética aurea mediocritas horaciana, convocada pela misteriosa autora deste roteiro conexo de vidas napolitanas, remete-nos para um universo igual a tantos outros na sua diversidade. O fio condutor decorre entre o enlace/separação da amiga genial, a inspiradora do título desta segunda etapa da série novelesca, gizada com muitos acertos/desacertos intermédios, namoros encetados/terminados, em polifonia complementar com outras tantas uniões circunstanciais de cônjuges/amantes ocasionais ou permanentes, mescladas com um sem-número de traições-rancores-escaramuças, em paralelo com uma mão-cheia de amores/desamores cruzados, todos eles envoltos numa larga rede de mexericos, boatos e diz-que-disse, plasmados num bairro sem nome conhecido, subúrbio da cidade capital da Campânia e populosa metrópole da Itália. Nada de mais que um conjunto de existências não comporte em qualquer parte do mundo.
O teor dos oito cadernos contidos na caixa de metal confiada pela filha mal-casada do sapateiro à filha do porteiro da câmara municipal, acrescidos com algumas conversas e confidências avulso, bem como dos testemunhos presenciais, a entidade narrativa reconstrói com precisão milimétrica os eventos ocorridos na distante década de sessenta, assegurando, assim, o estatuto de revelação pessoal credível a tocar a omnisciência. No final da retrospetiva, a emissora interna confidencia ter escrito e publicado o seu primeiro romance, focado num episódio marcante da sua vida. Recorre então a uma voz de terceira pessoa, para afastar a subjetividade presente na série napolitana. A dúvida que se instala é a de saber até que ponto esta Elena Greco da ficção não esconde a verdadeira Elena Ferrante da capa do livro. Determinar se a realidade e a imaginação não andam mais uma vez de mãos dadas. Quem sabe se a continuação da leitura dos restantes tomos desta tetralogia que pretendo fazer ‒ malgrado a pretensa superficialidade argumentativa de que é acusada ‒ não me dará pistas para lhe dar cobertura, conquanto meramente especulativas.
Sem comentários:
Enviar um comentário