« Il n’y a rien de plus certain que la perspective, rien de plus essentiel, ni rien de plus éternel. C’est elle, et elle seule, plus que toutes les batailles et tous les poèmes et tous les traités de Machiavel ou de Castiglione, qui a rendu notre Toscane immortelle, qui a fait qu’on parlera de nous dans les siècles des siècles, de la Chine aux Amériques. “ Oh ! Quelle douce chose que cette perspective ! ”»Laurent Binet, Perspective(s) (2023)
Jacopo Carucci, mais conhecido no mundo da arte por Jacopo (da) Pontormo ou apenas Pontormo, nasceu em 1494 na localidade vizinha de Empoli, pela qual passou a ser referido, foi encontrado morto no primeiro de janeiro de 1557, junto ao fresco do «Dilúvio» que estava a pintar na Basílica de São Lourenço em Florença. O óbito ter-se-á verificado nessa data ou na véspera, tendo sido sepultado no dia seguinte na capital toscana. Dados os contornos insólitos do falecimento, a suspeita de ter sido assassinado instalou-se no ar, criando o ponto de partida seguido por Laurent Binet para redigir o Perspective(s) (2023), 466 anos após a verificação do trespasse.
Entusiasmei-me com a sinopse publicada nas páginas da Net e encomendei de imediato a obra online, tendo em vista o regresso ainda que virtual à Cidade das Flores e aos artistas quinhentistas que ali nasceram, singraram e abriram caminhos estéticos a toda a Europa culta da época. A contracapa da edição original do roman, que rapidamente me chegou às mãos voltou a repetir, ipsis verbis, os dados já divulgados em suporte digital, máxime o facto da pesquisa policial então encetada assentar integralmente numa estrutura polar histórico-epistolar. Lançados os dados genéricos, só faltaria saber do autor as circunstâncias insólitas que lhe haviam facultado essa coleção extraordinária de 176 missivas, tão reveladoras dos enigmas catapultados para o relato de relatos trazidos aos nossos dias como se tivessem acabado de ocorrer.
Faça-se tábua rasa da autenticidade das cartas e da credibilidade da sua compra a um antiquário de Arezzo, para prestar atenção aos testemunhos registados pelos 21 correspondentes compilados pela instância narrativa. As informações paratextuais são referidos no «Prefácio», assinado por um singelo B facilmente identificado com Binet, que assim atribui ao conjunto documental obtido um tópico simulacro de veracidade discursiva, exigida pelo cânone tradicional das categorias literárias convocadas e passa assim a fazer parte integrante da ficção. O aparato preparatório do processo indagativo operado à distância de quase meio milénio conta, ainda, com um plano de Florença e outro da Itália, contemporâneos dos factos trazidos à colação, bem como uma uma ficha completa de todos os intervenientes nos eventos.
O fascínio sentido por este jovem contador de histórias fingidas decalcadas de histórias acontecidas é antiga. Remonta ao primeiro exercício biográfico por si composto, logo seguido dos intermédios até chegarmos ao mais recente. À eliminação real de Reinhard Heydrich, o carrasco de Praga e braço direito de Himmler; seguido do final trágico imaginado de Roland Barthes, alegado autor duma sétima função da linguagem; e, ainda, do destino alternativo de Atahualpa, o derradeiro Sapa Inca e pretenso conquistador da Europa de Carlos Quinto. Tudo nomes conhecidos, que a memória dos homens registou ao longo dos tempos, conquanto devidos a razões diametralmente opostas. A ucronia é rainha em todos eles, como de certa modo o é também este conjunto de cartas que nos apontam para uma série de hipotéticos assassinos de Pontormo, o mais destacado inventor do Maneirismo, aquele movimento artístico que mediou o apogeu do Renascimento e do Barroco.
Os labirintos artísticos, políticos, religiosos e filosóficos da época pululam em cada escrito atribuído a vultos frequentadores da corte ducal de Cosimo de' Medici e cúria papal de Pietro Carafa, aos meios culturais de pintores, escultores, arquitetos ou meros operários duns e doutros, a vultos mais ou menos familiares nos nossos dias, desempenham um papel decisivo para identificar/afastar hipotéticos homicidas do genial, melancólico, subjetivo e bizarro autor de telas, frescos e esboços de obras que os sucessivos preceitos estéticos fariam impediriam de concluir ou fariam desaparecer para sempre. O jogo de perspetivas plasmadas por cada um deles dá o tom geral ao relatório final apresentado em forma de romance, a que não faltará a identificação indiscutível do assassino do mestre amado/odiado que alimenta toda a inquirição detetivesca efetuada por Giorgio Vasari, autor da polémica e sempre citada Le vite de' più eccellenti pittori, scultori e architettori (1550). Nessa edição não se referem os pormenores da morte do cultor das poses contorcidas, perspectiva distorcida e cores marcadamente incomuns e peculiares, presentes neste repositório detetiveste de pontos de vista literários inspirados nos pontos de vista pictóricos. Podia revelá-lo aqui, mas seria uma traição que os futuros leitores não perdoariam.
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