14 de dezembro de 2014

Ironia trágica

Σοφοκλῆς, Οιδίπους Τύραννος  |  Sófocles, Rei Édipo

CORO
Ó habitantes de Tebas, nossa pátria, olhai: este é Édipo que conhecia os famosos enigmas e era o mais poderoso dos homens; ela, a quem nenhum dos cidadãos contemplava sem invejar a sua sorte, em que procela de desgraça se vem precipitar! Assim, aos olhos dos mortais que esperam ver o dia derradeiro, ninguém pareça ser feliz, até ultrapassar o termo da vida, isento de dor.
SÓFOCLES, Rei Édipo (vv. 1524-1530)

O destino trágico de Édipo fez-me pensar num político português com nome de filósofo que também quis ser filósofo e acabou por ser apanhado pelas malhas da lei que ele mesmo havia criado.

Ato contínuo lembrei-me dum banqueiro da nossa praça com nome de divindade cristã que se julgava dono de tudo e acabou por ruir como um baralho de cartas armadas num castelo de quimeras.

Depois resolvi revisitar o tal rei tebano com nome de pés-furados que um dia salvou a cidade das garras da esfinge devoradora de vidas e acabou por tombar do trono a que havia ascendido.

O primeiro recusou-se a beber a cicuta que o libertaria com honra da infâmia da acusação: que o bebam os outros se tiverem muito gosto em seguir o modelo dos clássicos.

O segundo esqueceu-se de se borrifar com um pouco de água benta purificadora do vexame: que a usem os ingénuos se estiverem muito certos das capacidades lenitivas do sagrado.

O terceiro penitenciou-se com a cegueira e o desterro para mostrar como toda a ação humana se pode voltar contra aquele que é seu autor: que lhe siga o exemplo quem souber ou puder.

Dizem os entendidos ser o extrato transcrito de Sófocles um final espúrio tradutor dum mero lugar-comum, ironia trágica esta a que se resume todo o drama quotidiano da existência humana... 

2 comentários:

  1. As tuas reflexões lembraram-me o calcanhar de Aquiles... Mesmo sendo um lugar comum, a realidade mostra que, seja rei, seja pastor, ninguém está livre das vicissitudes desta vida. Das tragédias gregas às atuais, nem os mais poderosos se livram do seu calcanhar de Aquiles, o ponto fraco que os fará cair um dia. Em linguagem bem corrente, não se pode enganar toda a gente durante toda a vida...

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    1. Trata-se da conhecida roda-da-fortuna, umas vezes para cima, outras vezes para baixo. Ou o destino do alpinista, que depois de subir ao alto duma montanha, só lhe resta descer pela mesma vertente ou pela outra. Julgar que se pode pairar sempre acima dos outros, contra tudo e contra todos, é que está na origem das quedas mais desastrosas de que nos falam as ironias trágicas. Os gregos chamavam-lhe hýbris, nós podemos chamar-lhe, simplesmente, arrogância.

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