«Bem, Salomão, ainda não sei como é que vai ser exatamente a tua história, mas de uma coisa podes ter a certeza: o que tiver que ser, será, o que não tiver que ser, não será. Dito isto posso-te também dizer que... "Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam". O livro dos itinerários»
João Amaral, A viagem do elefante (2014)
Aprendi a ler com as histórias aos quadradinhos que O Primeiro de Janeiro publicava todos os domingos em formato de suplemento juvenil. Chamava-se «O Janeirinho» e fazia concorrência ao «Pim-Pam-Pum» d' O Século, que também cheguei a folhear uma ou outra vez. Recordo-me dum interminável Príncipe Valente e duma tira sem palavras do Reizinho. O bê-a-bá das histórias contadas com imagens e palavras em balões foi-me transmitida pelas séries curtas do Walt Disney tipo A Dama e o Vagabundo, mais tarde adaptadas ao cinema e dobradas com sotaque brasileiro.
Já alfabetizado e a frequentar o ciclo preparatório, entrei em contacto com a literatura clássica num manual escolar em versão histórias aos quadradinhos. Nada mais nada menos do que a Odisseia de Homero. Por essa altura, fui também iniciado nas peripécias desenhadas das Viagens de Marco Polo e na Peregri-nação de Fernão Mendes Pinto, provavelmente em edições promovidas pela Fundação Calouste Gulbenkian, que se encarregou de divulgar num boletim especial as aventuras e desventuras de Camões e da composição épica d' Os Lusíadas.
As aprendizagens com as histórias aos quadradinhos prosseguiu na faculdade. Fui aí convidado a ler o Astérix em latim que alternei com a versão francesa original. Duma assentada, pratiquei as duas línguas com um suporte visual, mas só a segunda, hélas, me permitiu estabelecer uma conversação de longa duração pelos desafios que a vida me foi oferecendo desde então. Felizmente não fui obrigado a mergulhar em nenhuma BD em idioma grego antigo ou moderno. Os meus conhecimentos linguísticos teriam sentido fortes dificuldades em superar esse poliglotismo académico.
No ano em que saiu o último póstumo de Saramago, umas Espin-gardas, alabardas ilustradas por Günter Grass, saiu também dos prelos uma adaptação de João Amaral d' A viagem do elefan-te (2014). A história aos quadradinhos de Salomão segue de muito perto os itinerários já desenhados com palavras. Dispenso-me de os sintetizar. A visita ao original será sempre mais proveitosa. Sobretudo se as vinhetas alinhadas em tiras e pranchas coloridas forem substituídas pelas linhas negras impressas nas páginas em branco dum livro a cheirar a tinta. Manias pessoais. Nada mais...
Se as imagens da banda desenhada forem tão sugestivas e bonitas como a da capa, então terei um prazer renovado em ler a história da viagem do elefante até à Áustria.
ResponderEliminarA banda desenhada foi, na realidade, uma forma de aperfeiçoar as línguas estudadas (nem que fosse de forma oral, como o espanhol...), ao mesmo tempo que divertiam. A banda desenhada brasileira teve muito sucesso nas minhas ilhas caboverdianas na minha infância (assim como na do meu filho) e, apesar dos velhos do Restelo apregoarem a má influência na escrita, tive a sorte de ter um pai professor que nos ensinou a arte de não nos deixarmos enganar pelas traições linguísticas. Hergé foi outro herói na minha adolescência, ensinando-me costumes interessantes na história do descobrimento da América pelos ingleses e na do povo gaulês a resistir aos romanos, além de me convidar a alargar os horizontes da nossa criatividade com as aventuras de Tintin.
Feliz ideia em quadradinhos do elefante de Saramago, que bem atrativa se mostra!