JOSÉ MALHOA - O último interrogatório do Marquês de Pombal (1891) Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea [ óleo sobre tela 3,33 x 5,05 m.] |
O ano novo aproxima-se a passos largos e antes que as doze badaladas da noite de São Silvestre se ouçam, os vendedores de opinião mais mediáticos do país elegeram José Sócrates como a personalidade mais marcante do ano velho. Pela negativa e sem hesitações de última hora, está bem de ver, que nesta terrinha de brandos costumes à beira-mar plantada, as cantigas de escárnio e maldizer sempre se adiantaram em popularidade às de amor e de amigo do nosso amargo cancioneiro. Não há notícia, afirmam ex ca-tedra, de um ex-primeiro-ministro ter alguma vez sido preso em Por-tugal. Verdade insofismável, dado que o cargo é recente e a memó-ria costuma ser curta nestes casos. Apetece-me recordar a queda abrupta de três dessas figuras maiores da governação nacional.
Começo com Marcello Caetano, presidente do conselho de minis-tros (1968-1974). Destituído após o 25 de Abril, rende-se no Carmo, é levado de chaimite para a Portela e exila-se no Brasil, onde termina os dias sem glória nem proveito. Passo para Sebastião José de Carvalho e Melo, secretário de estado (1750-1777) de D. José I. Apeado do poder por corrupção e votado ao ostracismo por D. Maria I, o Marquês de Pombal passa o resto da vida exilado da corte até que a morte o liberta aos 83 anos de idade. Termino com Luís de Vasconcelos e Sousa, escrivão da puridade (1662-1667) de D. Afonso VI. Caído em desgraça, exila-se em Paris e Londres. Com a morte da rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboia, o Conde de Castelo Melhor regressa à esfera da governação de D. João V.
O único ex-primeiro-ministro português que não foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo pelo Presidente da República foi detido por agentes da Autoridade Tributária e Aduaneira à chegada ao aeroporto de Lisboa, nas vésperas do Natal, indiciado de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Trivialidades. Um dia o julgamento da história dirá de sua justiça. Nessa altura a opinião pública já terá tido ocasião de condenar o protagonista da Operação Marquês, pouco interessada em saber se de facto é culpado ou inocente. Suspeito que a tal condecoração em falta vai ter de esperar vários natais, páscoas, carnavais e santos populares para poder luzir no peito do ex-locatário do palácio de São Bento e atual hóspede da prisão de Évora. Palpites.
Uma pequena viagem pelos julgamentos públicos desta terra à beira-mar plantado, que outras figuras trarias se o tempo não te fosse caro... É sempre bom lembrar que atirar a pedra é um hábito comezinho português, que faz impressão quando a feira mediática é montada de forma exagerada. Não acredito na inocência do ex-primeiro ministro - assim como não acredito na de muitos que andam à solta por terem tido a sorte de conseguir iludir a justiça - mas também não aplaudo a prisão política a que foi sujeito no aeroporto, que melhor espezinha a figura de quem esteve nas rédeas do governo anterior. Afinal, regressava ele de uma viagem, não estava de partida para o estrangeiro e, se era urgente prendê-lo, seja lá por que motivos legais imperiosos, então poderiam tê-lo prendido sem lançar foguetes para ajudar a campanha política que já vai no adro, para nossa desgraça. O circo foi bem armado porque os que estão no poder têm de prender algum, de forma bem vexatória, para nos lançar poeira sobre os criminosos de colarinho branco que se safam impunemente...
ResponderEliminarQuando for oportuno e se estiver para aí voltado, talvez possa fazer uma nova viagem pelos julgamentos políticos realizados neste oásis atlântico de gente pacífica e bem comportada. Referir, entre muitos outros, as quedas colossais do poder de algumas cabeças coroadas destes antigos reinos lusitanos. Começar por D. Sancho II, que faleceu excomungado, deposto, exilado e sem poder em Toledo, onde parece ter sido sepultado (1248). As intrigas da nobreza, incluindo a mulher, as tias e o irmão tiveram um efeito demolidor. Prosseguir com D. Afonso VI, deposto, exilado cinco anos nos Açores e encarcerado nove no paço de Sintra, onde terminou os seus dias, abandonado de todos (1683). Tal como o avoengo medieval, foi vítima de intrigas palacianas da mulher, do irmão e da alta nobreza. A sede do poder é terrível. Terminar com D. Miguel, rei usurpador do trono, causador duma guerra civil, foi obrigado a exilar-se no grão-ducado de Baden-Würtemberg, onde faleceu (1866) com fama de filho adúltero da mãe não se sabe muito bem com quem. Tricas familiares, mais uma vez a justificarem uma sede insana pelo poder. Sobre José Sócrates, acrescentarei que não ponho as mãos no fogo pela sua inocência ou culpabilidade. Vistas bem as coisas, trata-se dum cidadão como outro qualquer que, à data da prisão preventiva, nem sequer ocupava qualquer cargo político ou partidário no país. Um circo mediático bem montado, como referes, numa época em que este tipo de espetáculos costuma ser muito popular entre nós..,
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