Maria Helena Vieira da Silva, Biblioteca[óleo sobre tela, 1949]
También sabemos de otra superstición de aquel tiempo: la del Hombre del Libro. En algún anaquel de algún hexágono (razonaron los hombres) debe existir un libro que sea la cifra y el compendio perfecto de todos los demás: algún bibliotecario lo ha recorrido y es análogo a un diós.Jorge Luis Borges, La biblioteca de Babel (1941)
Os mass media da aldeia global alimentaram avidamente os noticiários impressos, radiofónicos e televisivos com a informação à la une de que o pretenso Estado Islâmico incendiara a biblioteca pública de Mossul, no Iraque, queimando milhares de livros, entre os quais se contavam oito mil manuscritos raros e obras antigas de valor inestimável. A ação extremista estendeu-se ainda à biblioteca universitária, a uma igreja e ao teatro locais. Barafustou-se muito nesse dia sobre esse atentado à cultura, enquanto o cheiro a papel queimado se foi adivinhando no ar. Depois o assunto caiu no silêncio dos deuses.
O episódio mediático de barbárie fundamentalista fez-me recordar outros momentos da história, em que a força destruidora das chamas reduzira irremediavelmente a cinzas grande parte da criação poética dos povos. O incêndio da antiga biblioteca de Alexandria terá sido, porventura, o mais calamitoso de todos aqueles que a memória dos homens regista nos seus anais. Quantos testemunhos únicos da antiguidade, registados em cerca de setecentos mil rolos de papiro e pergaminho preciosos, se terão perdido para sempre nesse ano fatídico de 48 AEC é a questão que fica no ar sem resposta satisfatória a dar.
A perda então sofrida foi de tal grandeza, que ainda hoje procuramos recuperar algumas migalhas desse imenso património drasticamente desaparecido, por todos os meios postos à nossa disposição. Há décadas que tentamos decifrar, com os mais sofisticados meios tecnológicos postos à nossa disposição, os segredos guardados nos volumes calcinados pelas lavas vulcânicas do Vesúvio das bibliotecas privadas dos patrícios romanos das cidades de Pompeia e Herculano, varridas do mapa em 79 da EC e mantidas sepultadas da curiosidade dos leitores por mais de 1600 anos feitos da poeira dos dias que passam.
Umberto Eco impacientou-se com a espera e imaginou uma biblio-teca de fantasia perdida no coração duma abadia medieval italiana, minuciosamente descrita nas páginas d'O nome da rosa (1980). Por instantes, chegamos a acreditar que o segundo livro da Poética de Aristóteles se encontrava preservado naquele refúgio labiríntico idealizado pelo espírito religioso da época. A ilusão é de curta duração. Quem leu o romance ou viu o filme sabe bem que, no final da fábula, todo o edifício é engolido pelas labaredas providenciais dum incêndio purificador, levando consigo a mais chorada obra perdida da literatura ocidental.
Só nos resta confiar na fé de Jorge Luis Borges ficcionada nas pági-nas visionárias de La biblioteca de Babel (1941). Admitir a existência no universo dum livro total que é a cifra perfeita de todos os demais. A arte combinatória dos números aceita como provável essa arte combinatória das letras. O guardião dessa biblioteca recuperada dá pelo nome de Homem do Livro. Vive em qualquer lugar remoto do nosso mundo possível a que chamamos imaginação. É através da utopia que em nós habita que a centelha divina da criação se manifesta a cada momento que passa, depois de termos absorvido as imagens e as semelhança de deus.
O episódio mediático de barbárie fundamentalista fez-me recordar outros momentos da história, em que a força destruidora das chamas reduzira irremediavelmente a cinzas grande parte da criação poética dos povos. O incêndio da antiga biblioteca de Alexandria terá sido, porventura, o mais calamitoso de todos aqueles que a memória dos homens regista nos seus anais. Quantos testemunhos únicos da antiguidade, registados em cerca de setecentos mil rolos de papiro e pergaminho preciosos, se terão perdido para sempre nesse ano fatídico de 48 AEC é a questão que fica no ar sem resposta satisfatória a dar.
A perda então sofrida foi de tal grandeza, que ainda hoje procuramos recuperar algumas migalhas desse imenso património drasticamente desaparecido, por todos os meios postos à nossa disposição. Há décadas que tentamos decifrar, com os mais sofisticados meios tecnológicos postos à nossa disposição, os segredos guardados nos volumes calcinados pelas lavas vulcânicas do Vesúvio das bibliotecas privadas dos patrícios romanos das cidades de Pompeia e Herculano, varridas do mapa em 79 da EC e mantidas sepultadas da curiosidade dos leitores por mais de 1600 anos feitos da poeira dos dias que passam.
Umberto Eco impacientou-se com a espera e imaginou uma biblio-teca de fantasia perdida no coração duma abadia medieval italiana, minuciosamente descrita nas páginas d'O nome da rosa (1980). Por instantes, chegamos a acreditar que o segundo livro da Poética de Aristóteles se encontrava preservado naquele refúgio labiríntico idealizado pelo espírito religioso da época. A ilusão é de curta duração. Quem leu o romance ou viu o filme sabe bem que, no final da fábula, todo o edifício é engolido pelas labaredas providenciais dum incêndio purificador, levando consigo a mais chorada obra perdida da literatura ocidental.
Só nos resta confiar na fé de Jorge Luis Borges ficcionada nas pági-nas visionárias de La biblioteca de Babel (1941). Admitir a existência no universo dum livro total que é a cifra perfeita de todos os demais. A arte combinatória dos números aceita como provável essa arte combinatória das letras. O guardião dessa biblioteca recuperada dá pelo nome de Homem do Livro. Vive em qualquer lugar remoto do nosso mundo possível a que chamamos imaginação. É através da utopia que em nós habita que a centelha divina da criação se manifesta a cada momento que passa, depois de termos absorvido as imagens e as semelhança de deus.
Muito poética esta ideia literária da existência do Homem do Livro que a arte dos números, tão cultivada por Aristóteles, viabiliza como possível. Entretanto, enquanto não se personifica, vamos desfrutando de bons livros admiráveis, como os exemplos acima referidos ou outros mais contemporâneos, como o Cemitérios dos Livros Esquecidos, tão deliciosamente relatado na trilogia de Carlos Ruiz Zafón com A Sombra do Vento, O Jogo do Anjo e O Prisioneiro do Céu. Benditos sejam os que nos trazem horas de prazer com a sua escrita fantástica!
ResponderEliminarSeria também oportuno falar, entre outros, do mais conhecido romance de Ray Bradbury, «Fahrenheit 451» (1951), uma distopia onde a problemática dos livros e das bibliotecas é visto em sentido inverso ao dos textos de Umberto Eco ou Carlos Ruiz Zafón, visto toda a cultura escrita estar condenada à ação purificadora do fogo.Um absurdo praticado ao longo dos tempos e que ainda se continua a praticar nos nossos dias. Mossul é só o exemplo mais recente. A leitura abre caminhos que os inimigos declarados do livre arbítrio são incapazes de aceitar...
ResponderEliminarAdorei o texto, adorei O Nome Da Rosa (mais do romance do que do filme), adoro bibliotecas, adoro números e adoro palavras.
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