Claude Monet, La gare de Saint-Nazaire (1877) [Musée d'Orsay - Paris] |
«Está à janela a olhar para a parede suja do prédio em frente, do outro lado do pátio. Pensa com uma espécie de nostalgia naquele tipo alto com queixo de rabeca e nos seus amigos que não conhece, e no número dos quais ele próprio não se inclui. É como se se tivesse cruzado com uma mulher muito bela no cais de embarque duma estação e que, antes mesmo de poder abordá-la, ela tivesse subido para o comboio de Lisboa ou de Istambul.»Milan Kundera, A insustentável leveza do ser (1984)
TEMA
Em agosto de 1986 caiu-me nas mãos um livro que tinha elevado aos píncaros da fama o autor, um dos muitos intelectuais checos obrigado a abandonar o país após o fracasso da Primavera de Praga. Estou a referir-me a Milan Kundera e a A insustentável leveza do ser (1984). O romance não me suscitou o tal prazer estético imediato prometido pelos mass media da aldeia global. Deixei-o a descansar na estante ao lado de muitos outros ali depositados à espera duma segunda oportunidade.
VARIAÇÃO
Em junho de 2008 deram-me um livro que tinha catapultado para a ribalta dos bestsellers o estranho caso dum professor suíço de latim e grego apaixonado pelas sonoridades do português. Cruzara-se com um mulher falante desse idioma e resolvera trocar a capital helvética pela lusitana. Refiro-me agora a Pascal Mercier e ao Comboio noturno para Lisboa (2004). Li-o com alguma dificuldade. Exilei-o sem compaixão no lugar destinado às histórias já contadas uma vez com palavras impressas em papel a cheirar a tinta.
TEMA & VARIAÇÃO
Regressei ao convívio de Milan Kundera passados 19 anos. Neste mês de agosto voltei a reler A insustentável leveza do ser. A páginas tantas deparei-me com a frase que registei em topo de post. A reflexão do romancista checo ressoou como um eco distante do romancista suíço. O relato de Pascal Mercier surgiu-me na memória. O leitmotiv d' O comboio noturno para Lisboa apareceu-me ali todo condensado. Tema e variação ligados por uma gare de caminho de ferro que até podia ser a de Saint-Nazaire, mas não é...
Em 1989 caiu-me nas mãos através do Círculo de Leitores, O Livro do Riso e do Esquecimento, do Milan Kundera, numa tradução da Inês Pedrosa, lembro-me que foi uma leitura difícil, tão difícil, que não tive coragem para procurar ler o já então afamado A Insustentável Leveza do Ser. O segundo autor não conheço, mas, gostei do Tema e Variação. Quanto a voltar a ler Milan Kundera, quem sabe, talvez um dia...
ResponderEliminar«A insustentável leveza do ser» do Milan Kundera merece uma visita atempada às histórias já distantes que tem para nos contar. O mesmo não direi desse «Comboio noturno para Lisboa» do Pascal Mercier. Não são feitos da mesma matéria estética de que se alimenta a literatura. A unir as duas obras - também - a adaptação para o cinema, uma forma mais rápida de contar histórias...
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