Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre
Condessa de Oeynhausen e Marquesa de AlornaMEMÓRIADessa época guardei a forte determinação que só agora, depois de velha e julgando-me acabada, há quem pareça apreciar enquanto traço do meu caráter e personalidade; sem se aperceber como o fogo se mantém aceso no meu peito, nem como continuo sufocando diante da mediocridade, negando-me a permanecer desmerecida num terreno devastado, onde nenhuma planta vinga, por entre cardos e espinhos. «Não acende um só suspiro. Chama que devo apagar: Siga-se à dor o silêncio. Vencer é saber calar.»Maria Teresa Horta, As luzes de Leonor (2011, 21-22)
Viajei com a sedutora de anjos, poetas e heróis na bagagem de férias. Trouxe-a para a praia, para reviver à beira-mar outras jornadas de exercício académico que trilhámos em conjunto. Escritos pequenos e longos, parcelares e de circunstância. Trago-a a banhos pela segunda vez e boa companhia nos fizemos então e agora. Liberta das apresentações formais em ambientes de erudição oficial. A marquesa voltou a partilhar as suas cartas, monólogos e poemas, a abrir os seus cadernos e a desfiar as suas memórias de mulher das luzes e talento poético. Confidências criadas-recriadas à distância de dois séculos pela fantasia alada da sua descendente em quinta geração. Fragmentos de vida vivida-revivida quando a mão invisível e sem peso de Leonor de Almeida Portugal aflorava uma e outra vez o cimo do ombro de Maria Teresa Horta. E quando uma se debruçava sobra a escrivaninha da outra, lhe roçava ao de leve o pulso e lhe submetia o perfume almiscarado da pele macia, o retrato idealizado da protagonista dum romance caleidoscópico foi paulatinamente surgindo, inventado do grão de luz ao bago da romã.
Viajei com a reconstituição-reconstrução biográfica da condessa de Oeynhausen e marquesa de Alorna, conhecida na intimidade conjugal por Nelly e nos círculos poéticos dos outeiros, academias e salões literários por Lídia, Lília, Lize, Laura ou Alcipe, um separar de águas convencional entre as práticas familiares do dia-a-dia e as ditadas pelas correntes pós-barrocas iluministas e pré-românticas liberais. Poemas declamados em serenins, serenatas e saraus. Aplaudidos nos palácios imperiais e reais das casas de Áustria, Bourbon e Bragança. Tão visionários para a sua época, tão exóticos para a nossa. Arte maior de poesia integral integrada num relato labiríntico de prosa poética. Lidas e relidas as histórias com história dentro, perdida a idealização que habita no imaginário literário, afastados os fantasmas do passado a assombrarem os devaneios do presente, fica-nos a verdadeira vida da retratada por pintar. Exercício puro por traçar da herdeira de Távoras, Alornas e Fronteiras. Jogos de poder, jogos de enganos, jogos de sedução em aberto. Nada que o engenho e arte não possa exercitar e executar.
Tão bom ler e sobretudo escrever assim, livre...
ResponderEliminarTenho para ler "Marquesa de Alorna!, de Maria João Lopo de Carvalho". Espero que seja também aliciante...
ResponderEliminarPresumo que «Marquesa de Alorna», de Maria João Lopo de Carvalho, seja um texto mais próximo do cânone clássico do romance histórico, bem diferente do estilo livre seguido pela Maria Teresa Horta, mas não posso avançar muito mais. Boas leituras e cá fico à espera das impressões de leitura...
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