14 de fevereiro de 2019

E antes de morrer estava vivo...

Albertus Pictor, Döden spelar schack (1480)
Kyrkomålning i Täby kyrka utförd - Sverige
Q U A T R A I N
Hélas, La Palice est mort, | Il est mort devant Pavie ; | Hélas, s’il n’était pas mort, | Il ferait encore envie...
Chanson à  la mémoire du Seigneur de La Palice

     O jogo de xadrez      

De quando em quando os mass media assaltam-nos com a notícia bombástica de que o país está a morrer a um ritmo assustador. o tabaco mata um português em cada cinquenta minutos, o que corresponde a trinta e duas pessoas por dia, engrossando as vítimas das doenças respiratórias em mais de vinte e duas mil por ano, ao ritmo de duas por hora. Uma pandemia sem solução aparente à vista. Agreguem-se ainda os problemas do pâncreas, da próstata, da hipertensão, da diabetes, do coração, dos intestinos e tutti quanti. Ao que parece, os impostos não serão suficientes para cobrir as despesas. É caso para perguntar como é que há ainda tanto vivo a jogar ao xadrez com a morte.

Esta mania das moléstias nos estragarem a saúde fez-me lembrar uma peça que vi em tempos no Parque Mayer. Estou a referir-me a La Mamma (1951), uma comédia francesa com sotaque italiano, de André Roussin. Estreou-se a 1 de julho de 1971 no teatro Capitólio, produzida por Vasco Morgado e encenada por António do Cabo. Laura Alves, a querida mamã da versão portuguesa, lamentava-se numa tirada infindável de todas as maleitas reais e imaginárias que tinha, tivera ou teria. Começava com o cabelo espigado e terminava com as unhas encravadas. Um verdadeiro catálogo de achaques que a obrigavam a inferir no final da deixa: é preciso ter muita saúde para aguentar tanta doença.

E como para morrer basta estar vivo, somos levados a concordar com a Lili Caneças no diz-que-disse que corre por  por ter dito: morrer é o contrário de estar vivo. Um diz-que-disse muito semelhante ao que se disse e teima em dizer de Monsieur de La Palice (1470-1525), o tal que un quart d’heure avant sa mort, il était encore en vie. Bernard de La Monnoye (1641-1728) brinca com o dito feito ditote e verseja com ironia chocarreira: Il est mort le vendredi, passée la fleur de son âge, s'il fut mort le samedi, il eût vécu davantage. Fraca consolação para o reputado herói de Pavia, que, em vez de causar inveja (envie) depois de morto, nos continua a fazer sorrir com os diz-que-disse que nunca disse em vida (en vie).

1 comentário:

  1. Precisamos de sorrir pois faz bem à alma e, já agora, ajuda à saúde de que necessitamos para estarmos vivos. Esta de lembrar La Palisse e Lili Caneças no mesmo texto é de mestre, tanto mais que o tema do rol de doenças que assolam a população é, na verdade, exagerado se nos lembrarmos que a população, afinal, está envelhecida. Ou seja: as doenças não matam tanto como se propala...

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