20 de agosto de 2020

Meio copo de água em contracorrente

Jean-Baptiste Siméon Chardin
Panier de prunes, bouteille, verre à demi plein d'éau et deux concombres (c. 1730)
[Frick Collection - New York]
Água corrente não mata gente
Provérbio popular

          SUPLÍCIO DE TÂNTALO        

Sou adepto militante do contra. Prefiro ter um copo 1/2 vazio na minha mão, do que ter um copo 1/2 cheio à minha frente. Tê-lo completamente cheio é que não serve de nada, a não ser que me prepare para o despejar até ao fim. Se preferível de água, a uma temperatura agradável. Nem 1/2 quente, nem 1/2 fria. Bebível. A obrigatoriedade vital de ingerir dois litros de H2O por dia impõe-se, essa mistura de dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio. A necessidade absoluta de hidratação através desse líquido sem cor, sem cheiro e sem sabor, essencial para os processos químicos da vida assim o exige de modo categórico.

Fui sempre avesso ao consumo de líquidos no seu estado natural. Preferi sempre substituí-los por de modo indireto através da fruta, dos legumes, das saladas, dos vegetais e até das sopas, frias ou quentes, cruas ou cozinhadas. Ser obrigado nos dias de hoje a consumir 1/2 dúzia de copos diários de água tornou-se num verdadeiro suplício de Tântalo tomado no sentido inverso. Por isso, mudei a teoria da resiliência do copo 1/2 cheio ser apanágio de positividade pela nova versão do copo 1/2 vazio perder a carga de negatividade que lhe é comummente atribuída. Mudam-se as dietas, mudam-se os princípios que as regem.     

O espírito conservador da 1/2 idade  seja ela qual for, a que se atinge quando se deixa de dizer mal dos pais e se começa a dizer mal dos filhos , não admite nem as 1/2(s) palavras, nem as 1/2(s) tintas. A história dos copos 1/2 cheios o 1/2 vazios deixam de fazer qualquer tipo de significado. As 1/2(s) doses deixam de ser sentidas como positivas/negativos. Até porque um copo está sempre cheio de qualquer coisa, seja ela líquida, sólida ou gasosa, não havendo lugar para qualquer tipo de vazio. Assim, e por questões de sobrevivência, o melhor é mesmo esvaziar um copo inteiro de água para o voltar a encher uma vez e muitas mais.

1 comentário:

  1. Que delícia de texto, Artur! Adorei o desenvolvimento da tua teoria sobre o meio termo! A leitura fez-me sorrir do princípio ao fim, sem meio termo também, pois as tuas palavras estão eivadas de uma grande sabedoria envolta numa valiosa lucidez irónica. Nem outra coisa seria de esperar da tua pedagogia inata!

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