29 de agosto de 2020

Lídia Jorge, uma foto cinéfila num campo forrado de margaridas

 

 Margaridas do campo 


O meu tio retirou a máquina fotográfica do seu estojo, fez experiências contra o sol, fechou os olhos, tapou os olhos com a pala do boné, an-dou às arrecuas, para os lados, correu, ajoelhou, e depois, final-mente, mandou-me que o olhasse.

«Mas antes colhe um ramo de margaridas!»

Colhi-as, fiz um ramo, olhei para ele contra o sol, de lado, sentada no meio das flores, de perto, de mais longe, com e sem chapéu, e quando cheia de soberba por me sentir rainha, olhei de três quartos, com a boca unida, cheia de silêncio, o meu tio gritou.

«Isso, isso, não te mexas, Greta Garbo!»

Lídia Jorge, A Instrumentalina (2007)
Obs.:
Um ramo de margaridas do campo para Lídia Jorge, que acaba de ganhar o Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas 2020.

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