"There was no hope for him this time: it was the third stroke. Night after night I had passed the house (it was vacation time) and studied the lighted square of window: and night after night I had found it lighted in the same way, faintly and evenly. If he was dead, I thought, I would see the reflection of candles on the darkened blind for I knew that two candles must be set at the head of a corpse. He had often said to me: “I am not long for this world,” and I had thought his words idle. Now I knew they were true. Every night as I gazed up at the window I said softly to myself the word paralysis. It had always sounded strangely in my ears, like the word gnomon in the Euclid and the word simony in the Catechism. But now it sounded to me like the name of some maleficent and sinful being. It filled me with fear, and yet I longed to be nearer to it and to look upon its deadly work."
Acabei de fazer uma viagem muito especial pela cidade natal de James Joyce, através da leitura espaçada do Dublinenses (1914). Evitei fazê-lo dum jato, de modo a prolongar por mais tempo o prazer da descoberta da capital irlandesa e dos seus residentes, através das palavras escritas em cada um dos quinze contos reunidos em livro. No final do percurso pela malha urbana que lhes serve de cenário, de ter atravessado pontes e entrado nos espaços públicos e privados que os povoam, de ter acedido aos pequenos e grandes conflitos dos seus moradores, de ter ficado na expetativa de os ver resolvidos a contento de todos, a sensação de satisfação alcançado pela partilha é total. Algo bem diverso do experimentado no desfecho da visita guiada pelo restante corpus literário do autor, quer no Retrato do artista quando jovem, quer no Ulisses. Sobretudo neste último, fomentador de todas as polémicas interpretativas. Ao que dizem os entendidos, há ainda um livro praticamente intraduzível, o Finnegans Wake, por fundir vocábulos do inglês com o doutros idiomas. Mas sobre esse exercício experimental é muito duvidoso que alguma vez lhe chegue a pegar.
Dezena e meia de pequenos relatos levam-nos até aos primeiros anos do século passado de vida quotidiana da Gente de Dublin - título alternativo da tradução portuguesa -, na véspera de grandes convulsões geopolíticas que iriam transformar de modo radical a Europa e o mundo. De repente apercebemo-nos estar na presença de episódios citadinos centenários que a modernidade da escrita nos remete para uma intemporalidade que só é possível no horizonte criativo das obras pioneiras, aquelas que marcam o início revolucionário das novas eras do imaginário humano. O final dos impérios estava iminente mas a separação do país da tutela britânica ainda estava longe de ser alcançada. O reconhecimento da independência da República da Irlanda pelo Reino Unido, declarada unilateralmente em abril de 1916, só ocorreria de facto em dezembro de 1922, mas os conflitos nacionalistas latentes desde sempre no seio do Eire estão bem presentes em bastas páginas da coletânea.
À exceção dos três fragmentos iniciais da vida dublinense revelados por um eu-narrativo, a dúzia restante é apresentada por uma voz omnisciente que tudo sabe, desde o pensamento dos intervenientes aos monólogos-diálogos por si travados. É como se o ponto de vista individual assumido pelo narrador-autor tivesse cedido a palavra à comunidade urbana, convertida numa heroína-coletiva, a verdadeira e legítima protagonista dos relatos. Este conhecimento absoluto não impede a instância narrativa de deixar com alguma frequência a trama em suspenso, transferindo para o leitor a árdua tarefa de tecer as respetivas ilações, se para aí estiver voltado, e de encontrar soluções de futuro viáveis ou desejáveis, como se em ficção o preenchimento do não-narrado fosse possível ou fizesse sentido em termos reais.
A captação instantânea de momentos específicos selecionados por James Joyce para contar a história moral do país, centrada na sua cidade mais importante, passa por episódios ligados à morte dum sacerdote católico, ao encontro de dois alunos faltistas com um ancião desconhecido, à paixão dum rapaz pela irmã dum amigo e do presente que gostaria de lhe dar, à desistência de fuga duma jovem com um marinheiro, ao esforço dum colegial pobre de se adaptar aos seus colegas mais abastados, ao esquema usado por dois galãs para enganar uma donzela, às manobras duma matrona para arranjar um casamento de interesse para a filha, a um jantar de dois amigos e se enfrentam os sonhos literários falhados de um deles e o sucesso reconhecido do outro, a um escriturário frustrado que se embriaga em diversos pubs, à celebração em família na véspera de Todos-os-Santos, a uma aventura extraconjugal interrompida com final trágico, a divergências num comité político de ativistas para fazer reviver a memória dum independentista histórico, ao esforço inglório duma mãe para organizar um recital perfeito de piano para a filha, à tentativa dos amigos dum beberrão de o fazer regressar ao seio do catolicismo, a um jantar de família onde se medita sobre o sem-sentido da vida.
Feita a apresentação sucinta destes flashes narrativos, fica-se com a ideia de se estar na presença dum vasto políptico constituído pelos painéis dum retábulo ou de vitrais duma grande catedral, de cromatismos e luminosidade diferente, ligados entre si por um tema comum, o dia-a-dia duma cidade-capital e das suas gentes nos alvores dos anos de 1900. Testemunho admirável de as revelar ao mundo e de inaugurar um percurso singular no universo das letras que à distância dum século e picos nos continua a fascinar e a motivar para a leitura de livros escritos com engenho e arte.
Obrigada pela partilha de mais esta excelente resenha, Prof. Li "Gente de Dublin" numa edição do Círculo de Leitores, uma coletânea de contos que poderiam ter sucedido em qualquer lugar se não fosse o enquadramento na capital irlandesa e que tão bem descrevem a história moral do país do início do séc. XX.
ResponderEliminarLendo esta estupenda recensão senti que a sua recuperação vai de vento em popa!
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