24 de setembro de 2020

O fascínio dos livros a cheirar a tinta


O SENTIDO DOS SENTIDOS: OLFATO

Gosto dos livros impressos a cheirar a tinta.  o disse muitas vezes e não me canso de repetir uma e outra vez. Gosto de cheirar os livros novos acabados de sair do prelo, expostos nos escaparates e bancadas das livrarias, cada vez mais em vias de extinção do nosso espaço urbano. De os folhear um a um antes de me resolver a pegar num deles e levá-lo para casa, para ir ter com os livros velhos que já lá tenho à sua espera. A minha aversão pelos livros digitais advém, precisamente, do facto de estar impedido de os cheirar, de tocar diretamente o texto com os dedos, de ouvir o lápis a sublinhar as palavras escritas com carateres perfumados, de acariciar com o olhar as particularidades do papel, sem poder saborear por inteiro o prazer dos sentidos em sinestesias apagadas. 

O gosto pelos livros a cheirar a tinta vem-me da infância, quando uma carrinha itinerante da Gulbenkian me oferecia leitura renovada em casa em cada visita que fazia. A biblioteca sobre rodas da meninice deu depois lugar às bibliotecas fixas da maturidade. Fi-lo sobretudo durante o período de formação académica. Os livros novos a cheirar a tinta fresca foram substituídos pelos livros velhos a cheirar à patine vetusta dos anos. As alergias que os odores sulfurosos das águas termais não curaram obrigaram-me ao uso duma máscara clínica protetora. Mudam-se os cheiros impressos, permanece o prazer da leitura. Com ou sem máscara. O que não se cheira com o olfato, cheira-se com os demais sentidos de serviço, imparáveis nessa dinâmica de criar sinestesias renovadas.

2 comentários:

  1. Viva, viva e viva!
    Os livros, as leituras, os escritores!
    Nas livrarias sempre me senti perdida, não fui capaz de cultivar o gosto de ir, conversar com os livreiros, indagar por este ou por aquele livro.
    Agora, a biblioteca itinerante, as bibliotecas escolares e outras, aí sim, sempre me senti em casa!
    Subscrevo as suas palavras, Artur.

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  2. Achei sempre interessante este teu gosto pelos livros a cheirar a tinta, para quem não houve máscara que protegesse a pele das irrupções cutâneas, desagradáveis à vista e ao tato, bem como das irascíveis reações bronquíticas aos cheiros... Mas partilho o teu gosto pelos livros em papel, pelo prazer de comungar de imediato com eles nos momentos em que os seguro ou em que os admiro, antecipando o prazer de descobrir os novos mundos neles guardados e as lições que trazem aos meus dias. Fico antecipadamente feliz por saber que vais gostar dos livros que te vou levar de presente, não só pelo seu conteúdo, como pelo cheiro a História que a patine não desmente...

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