14 de setembro de 2020

Os olhares de D. João III e D. Catarina de Áustria olhados por Cristóvão Lopes

CRISTÓVÃO LOPES

D. João III com São João & D. Catarina de Áustria com Santa Catarina
Cópia atribuída a Cristóvão Lopes (c. 1552-1571), original de Antonio Moro

[Convento da Madre de Deus - Lisboa]

Dom João III de Avis-Beja e Dona Catarina de Áustria-Habsburgo, Reis de Portugal e Algarves, estão, há cerca de quatro centúrias e meia, voltados para o altar-mor da Igreja do Convento da Madre de Deus, a olhar desde o coro-alto para a talha dourada barroca que o reveste e a adorar a Sagrada Forma da Eucaristia, na companhia de São João Batista e Santa Catarina. Os dois esposos, cunhados e primos foram retratados em corpo inteiro por Cristóvão Lopes, ajoelhados e de mãos postas a orar, virados um para o outro, mas sem se olharem de frente. O mesmo se diga dos olhares diagonais dos padroeiros pessoais, dos anjos da guarda e do cordeiro divino. Nada de distrações nas devoções religiosas de corte.

Os netos dos Reis Católicos, Isabel e Fernando de Castela e Aragão, podem também ser olhados na versão simplificada do Museu de Arte Antiga, depois de terem sido levados a contragosto do Convento de Nossa Senhora da Esperança para as Janelas Verdes. Continuam em Lisboa, lado a lado, em posição simétrica, mas sem se olharem olhos nos olhos ou para os dois bem-aventurados pela Cúria de Roma que os protegem. Os visitantes olham-nos nos rostos régios fixados no duplo retrato individual contemplativo de aparato palatino, sem lhes encontram, por mais que o façam, o olhar majestático e distante de cada um deles fixado a óleo sobre tábua por Cristóvão Lopes ou por algum outro pintor anónimo da sua oficina.

Ao que se julga saber, este conjunto de Tableaux Vivants dos avós de Dom Sebastião, tal como os bustos do Museu de São Roque, terão sido inspirados em originais de António Moro, datados de 1552, atualmente em dois museus de Madrid, o da irmã de Carlos V no Prado e o do irmão de Isabel de Portugal no Lázaro Galdiano. Aí, ganharam coragem e atreveram-se a olhar de frente quem os olha, que o destino os afastou para espaços diferentes. O duplo olhar piedoso dos painéis portugueses, fruto de quem sobreviveu a nove filhos e à perda de algumas praças do Algarve de além-mar em África, não está espelhado no duplo olhar altivo fixado pelo mestre flamengo, apesar de nessa data os ter retratado de luto carregado.

OFICINA DE CRISTÓVÃO LOPES

D. João III com São João & D. Catarina com Santa Catarina
Cópia anónima, original de Antonio Moro

[Museu Nacional de Arte Antiga - Lisboa]

2 comentários:

  1. Prof., é admirável o teu olhar pedagógico sobre as valiosas obras do MNAA. Tenho de ir lá novamente, mas integrando-me numa visita acompanhada de um guia que tenha o teu saber e paixão sobre o conteúdo do museu!

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