5 de novembro de 2020

Beijos de bico

FUGLEFIGURER 1635 & 1633 
Bing & Grøndahl ~ B&G Kjøbenhavn Danmark Porcelæn Titmouse 

Beijos, passou-bens, abraços & cotoveladas

O graffito do pintor russo Dmitri Vrubel, Meu Deus, ajuda-me a sobreviver a este amor mortal (1990), é, porventura, a mais conhecida das 105 obras patentes na East Side Gallery da capital alemã, a maior galeria de arte ao ar livre do mundo, situada ao longo das margens do rio Spree, numa secção de 1113 metros do antigo muro de Berlim poupado à demolição após a reunificação da cidade. O painel reproduz  uma fotografia de 1979, quando então se celebrava o 30.º aniversário da fundação da RDA, representa o Beijo fraternal socialista do presidente soviético Leonid Brezhnev e do seu homólogo germânico Erich Honecker. Beijo de bico famoso que tão tristes memórias evoca e pouca vontade dá de imitar.

Portugal é um país tradicionalmente beijoqueiro, mas no que às saudações masculinas se refere, os apertos de mão são reis e senhores, podendo ser completados por um abraço efusivo. Os beijos e beijinhos ficam reservados aos cumprimentos amistosos em que entre a componente feminina ou a familiar, variando, consoante os contextos em presença, entre um toque singular e leve de lábios no rosto do parceiro ou duplicá-lo em momentos mais afetivos. Ato bem mais comedido do que o verificado noutros países, como a França, onde é frequente fazê-lo por três, quatro ou mesmo cinco vezes, sem distinção entre homens e mulheres, a provar que cada roca com seu fuso e cada terra com seu uso.

Nos dias que correm, o número de beijos, passou-bens e abraços amistosos deixou de marcar a diferença dentro e fora das fronteiras nacionais. Reduziu-se drasticamente a zero, i.e., foram abolidos  sem dó nem piedade por imperativos profiláticos impostos pelo COVID-19. Beijinhos e abraços agora só dos virtuais que em termos reais começaram a ser substituídos pelas cotoveladas, um gesto de baixo risco, mesmo assim desaconselhados pela OMS, que propõe como alternativa colocar a mão no coração e manter  a distância mínima do metro e meio de segurança. Para grandes males grandes remédios, dá vontade de dizer e muito pouca de seguir. É que como soe dizer-se, nem tanto ao mar nem tanto à terra.

8 comentários:

  1. Uma reflexão pertinente nestes tempos tão emocionais, Artur. O "beijo de bico" fez-me sempre impressão, não só pelo que os dois personagens representavam, como também pela sua fealdade física. Uma dupla fealdade... E no Muro, que passámos a recordar especialmente pelo simbolismo da sua queda em 1989, mais feios me pareceram.
    Aos calorosos beijos franceses achei sempre piada, desde que não me fossem dirigidos por estranhos... O bendito meio termo estava em Portugal, o q.b. que agrada a gregos e troianos. O cumprimento da cotovelada é ridículo, tanto mais que o vejo ser feito entre pessoas sem máscara, ou seja, sem cumprir o distanciamento físico. Há muita gente que não resiste nestes dias a beijos e a "aquele abraço" em momentos especiais, o que compreendo e me emociona pois não somos robots programáveis. O que me faz falta é aquele beijo e abraço especial que me lavava a alma, mas são assim as pandemias... Esperemos por melhores dias!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Habituamo-nos a tudo, até aos três ou quatro beijos fraternos recebidos e retribuídos aos meus amigos franceses, interpretados como algo de natural, exagerado mesmo, mas genuíno. O bom senso, nunca me colocou, todavia, na situação de beijocar um desconhecido que não pertencesse ao meu círculo estreito de « copins ». Um aperto de mão resolve bem a situação. E os melhores dias virão para nos lavar a alma e sentirmo-nos seres viventes não robóticos.

      Eliminar
  2. Teresa Salvado de Sousa10 de novembro de 2020 às 20:27

    Vamo-nos habituando à maior distância, a não tocar, a não beijar. Quando a pandemia terminar, porque terminará um dia, veremos se não terá acontecido uma mudança de hábitos persistente ou até permanente. Menos beijoqueiros não quer dizer menos próximos do coração, menos atentos e disponíveis. Entre tanta coisa que a Covid 19 mudou, entre tanto constrangimento e angústia que trouxe, veremos se não foi também um cadinho de mudanças sociais e comportamentais. Os tímidos, germófobos ou reservados terão tido pelo menos algum descanso, sem receio de serem estrafegados por abraços apertados, fortes palmadas nas costas, beijos em série de todo um mundo de amigos, menos amigos e acompanhantes desconhecidos de uns e outros

    ResponderEliminar
  3. Bom dia, Artur.
    Nas poucas vezes que tenho saído socialmente, durante a pandemia, as cotoveladas, os cumprimentos à distância e os beijos intercalam-se.
    Por cá, a sensação de segurança é maior...

    ResponderEliminar
  4. Maria da Conceição Andrade10 de novembro de 2020 às 20:30

    O que mais me falta é o convívio, as conversas longas, as gargalhadas, o sorriso das pessoas, agora ocultado pelas máscaras... Até o meu agregado familiar tem de ser gerido com cuidado, pois não vivemos na mesma casa.

    ResponderEliminar
  5. Em tempos de pandemia não teremos outro remédio senão adoptar novos comportamentos sociais. Nada substitui um abraço sentido, a mão no coração é a que prefiro para os que são mesmo do coração ❤.

    ResponderEliminar
  6. Nao sou muito de beijocas boca-cara. Sou mais de palavras ternas que dirijo aqueles de quem gosto. É, por isso, uma das razões principais pq me incomoda tanto a máscara, que anula toda a mímica facial de dar um beijo na minha mão para soprar para o outro, acompanhado por aquele som bilabial tao característico.
    Já abraços, adoro e espero voltar a eles logo que se levantar o cerco.

    ResponderEliminar
  7. Estas duas figurinhas fazem parte da minha herança cultural da Dinamarca onde estão em muitas casas. Chamam se o Otimista e o Pessimista, conforme a cauda��enfim acabam sempre por se beijarem!
    Aqui vem uma lembrança muito querida dos meus primeiros tempos como estrangeira no Algarve:
    Em 1991 mudei me para o Algarve e a minha família dinamarquesa veio conhecer a minha nova família portuguesa, já os tinha preparado para o hábito de dar beijinhos aqui no meu novo país. Trocamos todos beijinhos menos o meu pai e o meu sogro, que ainda não sabiam bem como se cumprimentarem...
    O meu pai agarra nos ombros do meu sogro, e planta dois beijos grandes nas bochechas dele, ainda me lembro da mistura de panico e riso nos olhos do meu sogro! Entretanto somos salvos pela “campaínha” para ir á mesa, o meu sogro pega num garrafão de 5 L de vinho caseiro Algarvio e ao fim de 20 min estávamos todos a rir a volta da mesa posta��Viva o convívio entre as culturas, do qual tenho muitas saudades.

    ResponderEliminar