10 de novembro de 2020

Monarcas, Presidentes & Consortes

    Reis, Damas / Rainhas, Valetes & Jokers    

Desde o já longínquo dia 23 de maio de 1179, data em que o Papa Alexandre III assinou a bula Manifestis Probatum a reconhecer D. Afonso Henriques como primeiro Rei de Portugal, sucederam-lhe no trono 34 monarcas, entre os quais duas rainhas. Tiveram esses herdeiros do Fundador as suas caras-metades, que receberam a designação de Consortes, sem qualquer papel de relevo na ação governativa e vivendo em grande parte à sombra da Casa das Rainhas, fonte principal do seu rendimento. No caso das mulheres, o título de Rainha era-lhes atribuído após o enlace, necessitando os homens de engravidar a soberana para merecerem o título de Rei. Se por qualquer motivo essa função de procriador real ficasse por cumprir, pondo em causa a sobrevivência dinástica, teriam de se contentar com o estatuto de Príncipes consorte.

quase cinco anos que não dispomos duma Primeira-dama, rótulo dado abusivamente à esposa do Presidente da República em exercício ou com quem ele viva em união de facto. No próximo lustro também não teremos nenhuma ou talvez tenhamos de passar igualmente sem um abstruso Primeiro-cavalheiro, Valete, Joker ou como lhe queiramos chamar. Vistas bem as coisas e medindo-as pelo lado estritamente legal, nunca tivemos, não temos, nem nunca teremos um ou uma consorte presidencial com um título especial. É que no baralho de cartas da democracia plena, não há lugar para Primeiras-damas ou Primeiros-cavalheiros, a menos que esta nossa República se tenha transformado por artes de berliques e berloques numa Monarquia disfarçada, por ação de saudosistas impenitentes do anterior regime, extinto de vez há 110 anos.

Como o Gabinete do Cônjuge da Casa Civil da Presidência da República, que presta apoio à alegada Primeira-dama se encontra desativado desde março de 2016, pouco se sabe das atividades das suas ocupantes nos períodos de tempo que desempenharam pro bono este cargo não eletivo. Diz-me uma memória resistente à passagem do tempo e ávida de registar os eventos importantes da nossa História milenar, ter a última dita Primeira-dama que nos coube na rifa ocupado o tempo precioso que escasseava ao presidencial consorte a colecionar presépios, atividade meritória que lhe deve ter reservado por deferência especial um lugar de precedência protocolar no além, assim como o teve neste aquém legislado pelo Estado Português. É o mínimo que se poderia desejar a quem exerceu com tanto brio natalício tão honrosas funções.
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As eleições presidenciais portuguesas de 2021 estão à porta. Se tudo correr com a normalidade prevista, a primeira volta deverá decorrer num domingo situado entre 10 de janeiro e 14 de fevereiro. O Palácio Nacional de Belém terá novos inquilinos a partir do dia 9 de março. Terá ou manter-se-á o mesmo para mais um mandato. Se assim for, lá teremos de passar mais 5 anos sem a figura decorativa duma Primeira-dama de pacotilha, que nem por portas travessas será votada nas urnas eleitorais. Aquele espaço que já foi de reis e rainhas, príncipes e infantes, que já funcionou como residência privada duma dezena de presidentes da república, ficará reduzido às suas funções exclusivas de residência oficial do chefe de estado. Ás de copas, de espadas, de paus e de ouros. Único senhor dum cargo para o qual foi legalmente empossado.


5 comentários:

  1. Idiossincrasias que os homens semeiam ao longo de séculos de existência...

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  2. Um às de copas está garantido ;-)
    Gostei de te ler.

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  3. Este "Baralho de cartas do poder" é uma pérola! Adoro o teu tom satírico e sublinho três segmentos verdadeiramente deliciosos: "...um lugar de precedência protocular no além "; "... exerceu com tanto brio natalício "; " ...figura decorativa duma Primeira - dama de pacotilha".

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