14 de junho de 2021

Caravaggio e a decapitação de São João Batista na concatedral de La Valeta

                          CARAVAGGIO                         
Decollazione di San Giovanni Battista (1608)
[Kon-Katidral ta' San Ġwann - Belt Valletta - Malta]

Os maneirismos pré-barrocos de Caravaggio...

A Decapitação de São João Batista (1608), pintada a óleo sobre tela por Michelangelo Merisi da Caravaggio, representa a captação dum instante fulcral, singular, irrepetível, de profundo significado na tradição bíblica judaico-cristã, o martírio do pregador itinerante da Judeia e Galileia, primo de Jesus da Nazaré, que terá batizado e reconhecido como o Messias muito esperado pelos descendentes do patriarca Abraão. A cena é formada por sete atores distintos, seis que olham para o restante com um olhar submisso, horrorizado, determinado, indiferente e atento o condenado, o único que já não pode olhar para ninguém que o olha, por já ter exalado o derradeiro espasmo de vida. A jovem serva com a bacia onde se deverá colocar a cabeça do degolado, a velha com as mãos na cabeça, o carcereiro a testemunhar o desempenho macabro do carrasco e os dois prisioneiros atrás das grades que assistem à execução.

Dizem haver quem se desloque de propósito à concatedral de São João Batista, em La Valeta, para ver no Oratório dedicado ao patrono do templo a obra-prima do polémico criador plástico natural de Caravaggio, no Ducado de Milão, a maior e única por si assinada. Fê-lo com o sangue que escorre do pescoço do santo, a sugerir que quem o havia traçado, refugiado em Malta por ter assassinado um homem em Roma, se identificava assim com a vítima. Interpretação subliminar a que a subjetividade contrarreformista então vigente dava um peso muito particular. A técnica do claro-escuro do quadro marca igualmente para alguns o testemunho da passagem dum Maneirismo italiano já desgastado para um Barroco nascente, que a breve trecho conquistaria a arte ocidental de matriz católica. Olhei com olhar atento a cena e fiquei com vontade de repetir esse olhar uma e outra vez num futuro breve ainda por concretizar. Chi lo sà?

2 comentários:

  1. Não me desloquei de propósito a La Valetta, onde fui por razões mais mundanas, mas no programa da minha viagem estava prevista a visita à Concatedral de S. João, obrigatória para qualquer turista que se preze. Ali se encontram enterrados 400 cavaleiros da Ordem de Malta, entre os quais o do fundador da capital de Malta, Jean Parisot de La Valette. A fachada austera contrasta com a riqueza do seu interior, bem como com o do grande salão dedicado a Caravaggio. A decapitação de São João Batista surge-nos em todo o seu esplendor, lembrando o seu autor, que também foi um dos cavaleiros de Malta. Tive muita sorte em conseguir admirá-lo, já que o salão está em obras de renovação...

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    1. Não me recordo de nenhum grande salão dedicado a Caravaggio quando estive há cerca de duas décadas na concatedral de La Valeta e tive oportunidade de admirar a pintura no meio de muitos outros mirones que ali se haviam deslocado propositadamente ou nem por isso. Provavelmente trata-se de algo mais recente, de alguma iniciativa destinada a manter visível a «Decapitação de São João Batista» aos olhares interessados dos visitantes enquanto durarem as tais obras de renovação.

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