Christelle Frobert « Dialogue de sourd » |
In illo tempore, quando ainda tinha um ouvido de tísico, ouvi sem ser visto um animado bate-papo, travado em português pelo meu amigo João e em francês pela minha amiga Gigi. Como nem um nem outro percebia a língua do outro, resultou num verdadeiro diálogo de surdos, em que os alhos e bugalhos se trocaram a trouxe-mouxe sem se darem conta do facto, enquanto tomavam um peti dej animado naquela manhã tranquila de férias de verão. Só terminou quando transpus a porta indiscreta que ligava as duas divisões contíguas onde nos encontrávamos. Ao verem-me, manifestaram grande satisfação por se terem entendido tão bem sem precisarem de intérpretes a ajudá-los.
Mutatis mutandi, os diálogos de surdos com alhos e bugalhos mudam de figura quando se travam num mesmo idioma com a presença dum duro-de-ouvidos e somos levados a encarar a gradual falência registada na captação deficiente dos sons do mesmo modo como um analfabeto olha para uma BD. Vê os balões mas não os entende. Segue a história através das imagens mas sempre dum modo aproximado. Quem começa a perder a audição, ouve os sons sem os distinguir uns dos outros. A cadeia sonora transforma-se num ruído contínuo sem que o sentido da totalidade das palavras se entenda. É como se se estivesse a ouvir uma língua estranha, indecifrável, sem sair da sua.
L'OREILLE TROMPETTE DU PROFESSEUR TOURNESOL Hergé, Les aventures de Tintin. Objectif lune (Casterman : 1953, 8) |
Hic et nunc, resolvi-me a andar com um Ferrari alojado atrás das orelhas. Aliás, uma mezza macchina cinzenta em cada uma delas, para não dar muito nas vistas como as vermelhas tradicionais. Esta corneta acústica sofisticada dos nossos dias terá como missão ajudar-me a destrinçar com nitidez cirúrgica os alhos dos bugalhos, num diálogo de sonoridades audíveis, claras e percetíveis, sem ter de recorrer à leitura dos lábios, agora escondidos pelas máscaras de proteção pandémica. Ando já há alguns dias a fazer a rodagem e os resultados esperados são francamente animadores. Entretanto, neste querer/não-querer simultâneo, lá vou pilotando em velocidade de cruzeiro até ao final do teste em curso. A ouvir vamos...
Encetada a viagem, que o Ferrari não te desiluda e possas ter um apoio efetivo na audição de tudo o que te rodeia! Há anos que não faco um exame, mas a minha audição só me exige atenção quando vejo a TV, altura em que tenho de selecionar a qualidade do som. Como ainda ouço perfeitamente os vendedores de aparelhos auditivos que me agridem constantemente ao telefone para me convencerem que ganhei um exame gratuito para poder comprar-lhes um "mini som", resisto mais uns tempos. Até porque o SNS funciona como sabemos e todas as consultas de especialidade são encargo financeiro meu, apesar de 42 anos de vultosos descontos sobre o meu ordenado, por mim e pela entidade patronal...
ResponderEliminarBom, com um Ferrari a "viagem" será certamente melhor do que seria com um Fiat 600. Apesar disso, ainda há coisas que é preferível nem ouvir ...
ResponderEliminarParadoxalmente, um Fiat 600 daria mais nas vistas com a sua carroçaria mais avantajada...
EliminarEm minha opinião, devemos e podemos encarar a perda de audição como a perda de visão, se para esta socorremo-nos das lentes em diversos suportes, porque não aprender e desfrutar das maquinazinhas que nos ajudarão a continuar a comunicar e a escutar a música e os sons que nos rodeiam.
ResponderEliminarViva a tecnologia, meu amigo!
Todos vamos, cedo ou tarde, conhecendo tais limitações! Muito bem humorada, muito objectiva sua reflexão!
ResponderEliminarQue bom ter encontrado a solução apropriada. Desde que se precise, adaptamo-nos a tudo...
ResponderEliminarCom o teu feed back estou seriamente esperançosa! Vou aguardando a tua rodagem, porque um Ferrari não se compra de um momento para o outro!
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