1 de dezembro de 2020

Sonhos de união ibérica sem fusão ou anexação

    MIGUEL DA PAZ DE AVIS E ARAGÃO   
Príncipe Herdeiro de Portugal & Príncipe de Asturias y Gerona

Uniões e desuniões dinásticas peninsulares

Celebra-se hoje sem pompa nem circunstância o feriado do Primeiro de Dezembro ou da Restauração da Monarquia Lusitana, separada de vez dos destinos da Hispânica e confiados a título pessoal e sem fusão ou anexação a um Rey de tódalas Españas. A união ibérica de 1580-1640 foi desfeita pela força das armas 380 anos, quando os Áustrias Filipinos se renderam dinasticamente aos Braganças Joaninos. O estado de emergência nacional que vivemos em plena crise pandémica condicionou grandes ajuntamentos junto ao obelisco da praça dos Restauradores em Lisboa, onde uma escassa centena de manifestantes costuma comemorar a efeméride, compelida a fazê-lo, neste 2020 aziago de COVID-19, entre as 5h00 da manhã e as 13h00 da tarde. Provavelmente ninguém dará pela sua falta, salvo duma mancheia de mirones curiosos costumeiros e vezeiros nestas ocasiões e dum punhado de saudosistas monárquicos solidário com o atual pretendente ao extinto trono português, por regra presente na cerimónia, acompanhado de toda a autoproclamada família real.

O sonho duma Ibéria unificada não nasceu com a Monarquia Dual. É tão antigo quanto os primitivos reinos medievais, herdeiros diretos do legado romano-visigodo e manifestaram-se à vez nos diversos espaços políticos hispânicos, regidos por soberanos aparentados entre si. Dom Fernando Ⅰ de Portugal quis ser rei de Castela após o assassinato de Pedro Ⅰ pelo irmão, por ser bisneto legítimo de Sancho Ⅳ, enquanto o fratricida Enrique Ⅱ o era por via bastarda. O Formoso foi derrotado nas três Guerras Fernandinas em que se envolveu, travadas entre 1369 e 1382, dando assim origem ao Interregno de 1383-1385, quando o trono português foi disputado pelo Mestre de Avis e por Juan I de Castilla. A suspeita de bastardia materna que caiu sobre Dona Beatriz de Portugal acabou por recair em Juana la Beltraneja ou a Excelente Senhora, destituída do trono castelhano pelas mesmas razões, levando o tio materno e marido Dom Afonso de Portugal a declarar guerra a Isabel Ⅰ de Castilla e Fernando Ⅱ de Aragón e derrotado na Batalha do Toro em 1476.

As crises surgidas com as sucessões dinásticas problemáticas nem sempre foram resolvidas com recurso a confrontos bélicos travados pelos litigantes. Por vezes também se fizeram por via pacífica sem recurso ao poder de embate de exércitos rivais. Os Reis Católicos não se coibiram de casar a filha mais velha com dois herdeiros de Dom João Ⅱ. A Infanta Isabel, após enviuvar do Príncipe Dom Afonso, desposaria em segundas núpcias o futuro Rei Dom Manuel Ⅰ. Por golpes sucessivos do destino, a nova rainha consorte portuguesa ascenderia a herdeira dos pais, daria à luz o Príncipe Miguel da Paz e sucumbiria de parto. Pela primeira vez na história peninsular, as coroas de Portugal, Castela e Aragão teriam um soberano, aceite por todos sem derrame escusado de sangue. De 24 de agosto de 1498 a 29 de julho de 1500 datas do nascimento em Saragoça e da morte em Granada do Príncipe de Portugal, Astúrias e Gerona ‒, o sonho ancestral da unificação peninsular pairou no horizonte. Depois desfez-se subitamente no ar. Durara menos de dois anos.

Dom Manuel Ⅰainda desposou a Infanta Maria, irmã da anterior consorte, mas os direitos ao duplo trono castelhano-aragonês haviam transitado para a Princesa Joana-a-Louca, casada desde 1496 na Flandres com Filipe-o-Formoso, Duque titular da Borgonha. A tríplice aliança então gorada não seria muito diferente da lograda em 1580 com FilipeⅡde Espanha. O filho varão do Venturoso nunca pisou terra portuguesa e é pouco provável que alguma vez o viesse a fazer, a menos que os deveres dinásticos do momento assim o exigissem de modo categórico. Anteciparia aquilo que os três Filipes da Casa de Áustria fariam mais tarde, enquanto senhores do cetro lusitano. A política de aproximação entre as casas reais de Avis-Beja e de Trastâmara-Habsburgo só vingaria com o herdeiro de Isabel de Portugal e de Carlos Quinto, Sacro-Imperadores Romano--Germânicos e reis de Castela, Leão, Aragão e Navarra. O facto estava consumado e só findaria no Primeiro de Dezembro de 1640, efeméride que hoje se celebra sem pompa nem circunstância.

Armas de Fernando I, D. Beatriz, Afonso V, Joana, Miguel da Paz & Filipe II  

4 comentários:

  1. Foi sem pompa mas com um significado maior que o confinamento afinal lhe conferiu, pois a sensação de liberdade adiada acentua tudo o que se passa à nossa volta... Belo texto, Prof, sobre como se faz a história de um povo!

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  2. Que bela lição de história ... tão diferente da que nos impingiram na nossa infância.

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    1. A lição de história da nossa infância vivia obcecada com as grandezas perdidas do passado, levando os seus mentores a apagar estrategicamente a realidade que os envolvia no presente e daí a invenção de salvadores providenciais com os quais se identificavam e tentavam confundir, como verdadeiros «restauradores» duma opulência perdida que urgia «restaurar» e prolongar indefinidamente no futuro...

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  3. Uma recordatoria primorosamente enquadrada no tempo que vivemos.
    Muito bom.

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