Le Carnaval des Animaux : Verbier Festival / VF Kids Zon |
« Je suis en train de perpétrer une vaste composition pour le Mardi-Gras proc-hain. Je n’ai plus que le final à écrire. Quatorze numéros ! Vous me direz que je ferais bien mieux de travailler à ma symphonie. Vous avez raison, cent fois rai-son, mais c’est si amusant ! »
Na primeira década de viragem de milénio, assisti a uma série de cursos breves promovidos pela Biblioteca António Ramos Rosa e Fundação Calouste Gulbenkian. No encontro dedicado à «Música Românica», falou-se de raspão nos Péchés de vieillesse (1857-1868) de Rossini e de se poder inserir o Duetto buffo di due gatti (1825) nessa coletânea, pese embora o facto de se basear em parte na ópera Otello (1816) e no contributo doutros autores. Polémicas à parte, os miaus cantados em termos líricos não mereceram a aprovação duma participante sentada ali ao meu lado. A seu ver, a música erudita só tinha a perder se se misturasse com a popular. Na altura fiquei sem palavras ou não quis dizer nenhuma. Cada um deve ficar com os lugares-comuns com que sente feliz.
Suspeito que a apreciação da minha vizinha de auditório seria muito semelhante se confrontada com os miaus introduzidos por Mozart no «Nun, liebes Weibchen», caso se tivesse abordado esta ária da ópera Der Stein der Weisen, oder die Zauberinsel (1790), atribuída pelos especialistas da arte de associar sons a Mozart, que a terá composto em parceria com outros vultos então conhecidos do meio musical vienense já contaminado pelas estéticas pré-românticas europeias. Intuitos maldosos à parte, presumo que a sonoridade do nome do criador desta «Pedra Filosofal ou Ilha Mágica» tivesse um peso superior ao do criador do «Dueto bufo dos dois gatos». É que, quer se queira quer não, o prestígio melómano de Mozart parece ganhar aos pontos à faceta jocosa de Rossini.
Na visão dada por Saint-Saëns na suíte instrumental Le carnaval des animaux (1886) há uma clara ausência de miados, rugidos, zurros, bramidos ou chilreios violadores da ordem clássica imposta pelos ditames canónicos da harmonização académica. Dizem os registos que até nós chegaram ter o musicista gaulês sido criticado por ter comprometido o remate da Troisième symphonie ao votar-se a uma fantasia zoológica de menor dimensão artística. Sem se opor a essa opinião, o compositor justificou-se com o caráter divertido da tarefa. Censuras à parte, expressou a ideia de serem os risos, sorrisos e risadas carnavalescas, provas provadas de alegria, deleite e prazer, numa clara afirmação de ser adequado a uma terça-feira gorda ou a todos os demais dias do ano ou géneros musicais.
Sem comentários:
Enviar um comentário