3 de março de 2024

A eleição revolucionária dum rei plebeu

Anónimo, Retrato de Dom João I de Portugal (c. 1435)

[Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga]

Filho bastardo da arraia-miúda e digno de boa memória

A 3 de março de 1385, Dom João Mestre de Avis dava entrada na cidade de Coimbra para participar nas Cortes que ali se iriam realizar nos Paços d'el-Rei, perante os delegados dos três braços do Estado, o clero, a nobreza e o povo. Compareceu solenemente nessa reunião magna na qualidade de Defensor e Regedor do Reino, foi eleito Rei de Portugal e Algarve alguns dias depois, ao que parece entre 11 e 16 desse mesmo mês e ano, tendo sido aclamado com toda a honra e circunstância exigida pela tradição a 6 de abril seguinte. A dinastia de Borgonha saía de cena e cedia passo à regida pela Casa de Avis.

Ao optar por uma solução eletiva de cariz revolucionário, abriu-se uma singularidade insólita na monarquia secular lusitana, até então fiel ao princípio hereditário de sucessão régia. Uma tal anomalia deveu-se ao facto do rei Formoso ter falecido sem deixar um filho varão para o render no trono. Ao invés, gerara uma filha que a sua inabilidade política casara com o poderoso rei de Castela e Leão, pondo em risco a efetiva autonomia e independência do destino nacional português. Entrava-se assim no Interregno de 1383-85, o período conturbado marcado pela ausência dum soberano reconhecido por todos.

Nesses tempos de medievalidades longínquas, as rédeas do poder alcançavam-se no campo de batalha, através da derrota efetiva dos rivais vindos de dentro e fora dos territórios a conquistar. Depois desse período decisivo, a tarefa do Doutor João das Regras não terá tido grande dificuldade em escolher o filho natural de Dom Pedro I e de Teresa Lourenço como candidato ideal, por ter sido o único que nunca se exilara ou terçara armas contra Portugal. O governo provisório instalado em nome da rainha Dona Beatriz é ilegalizado e o revolucionário de Dom João I é legitimado com caráter definitivo.

A 525 anos da Implantação da República, o mais plebeu monarca português, o descendente duma filha da arraia-miúda é eleito rei dum país da periferia europeia prestes a tornar-se numa potência imperial à escala global. Dizem as crónicas régias que a memória regista ter passado à história como O da Boa Memória, epíteto de que poucos governantes se podem gabar. O pai da Ínclita Geração provou dessarte a pouca valia que a Sequência C dos casamentos da realeza (consentimento-contrato-consumação-consanguinidade) tem num governo feito em nome da res publica, a coisa do povo.

REAIS DE PRATA
D. Beatriz & D. João I

Sem comentários:

Enviar um comentário