«Pelagus – latim para pélago. Substantivo singular; masculino. Mar alto; grande profundidade; abismo, voragem.»
Alexandre Homem Dual, Pelagus (2013)
Dizem que Portugal é um país de poetas. Dispenso-me de nomear meia dúzia deles, porque seriam conhecidos de toda a gente. Também me recuso a registar uns tantos mais ainda no ativo, porque teria de excluir outros tantos tão importantes como os destacados. Limito-me a convocar o nome dum jovem poeta que, apesar de já ter alguma obra publicada, ainda não caiu nem nas bocas do mundo nem nas páginas das revistas especializadas na matéria. Sorte sua dirão alguns. Azar seu dirão outros. Se calhar, têm todos razão.
Cruzei-me por acaso com Alexandre Homem Dual e com o Pelagus (2013), e é sobre um e outro que irei falar. É verdade que, a meu ver, a poesia não se comenta. Lê-se, vive-se, sente-se. Recorro à tal exceção para confirmar a regra e destacarei alguns tópicos que encontrei na minha expedição silenciosa dos sentidos pelas linhas e entrelinhas versificadas do texto. Divulgado numa edição quase de autor e colocada à disposição dos interessados na versão em-linha. Moderna e eficiente para quem perdeu o hábito de visitar as livrarias cheias de livros a cheirar a tinta.
Trata-se duma viagem pelo universo em expansão contínua, imaginada pelo novo argonauta de palavras à descoberta de novos mundos e rotas espaciais. Os mistérios da criação contidos na teoria do Big Bang levaram-no a imaginar um barco de papel e navegar no pélago estelar para além do lado lôbrego da lua. Adota o nome de Lucas Nefelibata, inspirado no Luke Skywalker (ou George Lucas) do Star Wars (1977-2005), um sonhador a percorrer com o olhar os confins do cosmos nunca dantes enxergados. Uma nova Alexandria em vista que já cartografaram a Índia a que chamaram América.
O diário de bordo encontra-se repartido por cinco cantos épicos, trinta e três estrofes e trezentos e setenta e três versos. Espero não me ter enganado nas contas. Fluem todos pela galáxia das afeições, dúvidas e receios experimentados no momento da partida. Tripulantes duma peregrinação pelo espaço sideral à procura dum porto seguro. Etapas registadas em latim. Frases feitas e ligadas a gestas vindas do já feito à procura de novos feitos. Leiamo-las no nosso idioma mátrio e desenharemos uma estância suplementar. De mar a mar | até às estrelas | flutua e não se afunda | lembra-te que és mortal | depois das trevas a luz.
Um exercício complementar, poderá residir na leitura seguida das palavras-chave únicas de cada conjunto de poemas ou flashes de ideias. O resultado é surpreendente e dispensa-nos grandes leituras pessoais da descrição de subjetividades alheias. O mesmo se diga para os clíticos de ligação. Cada um encontre os que entender. Navegadores, universo, mar, viagem, matéria, cosmo, estrela. Navio, espaço, luz, sombra, teodiceia, terra, fronteira, céu, amor, olho, caminho, nuvem, abraço. Esperança, noite, confissão, fogo, paraíso. Ondas, porto, maré, vida. Deus, horizonte, conhecimento.
A poesia integral composta em verso dá as mãos à prosa poética distribuída pelo Prefácio e pelo Posfácio, textos enquadradores da jornada pela galáxia da imaginação, dessa odisseia do futuro traçada por uma nova raça de navegantes, através de computadores, na busca consonântica da incompletude infinita, a olhar o vazio para atingir a plenitude do ignoto. Aí se revela o projeto de atravessar o âmago, abismo e voragem do imenso oceano estelar. Aí se divulga o resultado da expedição pelo imenso pélago sideral. O romântico fatalista, que crê mais na força da caneta do que na força da espada, admite ter perdido o rumo no trajeto com as emoções do percurso. Reconhece, porém, que ao perder-se se havia encontrado. Não viajara para fora do espaço-tempo desconhecido. Viajara par o interior de si mesmo.
Os segredos do universo ficaram por explicar. Talvez tenha sido a melhor remate da expedição. Ao atingir a perfeição do acabado, a ambição humana perde o sentido de existir. Ao permanecer na imperfeição, a vontade humana ganha estimulo para continuar a pesquisa. Em liberdade. As regras do linguajar quotidiano e académico são deixadas esquecidas no tinteiro da criação da utopia. A noite, a sombra e a morte são adiadas e o dia, a luz e a vida do destino humano perfilam-se no horizonte. Tão longe quanto o olhar possa alcançar, nas grandes profundidades do mar alto celestial, onde o conhecimento habita desde o momento primordial da criação da realidade material de que somos feitos, herdeiros cósmicos da poeira caótica das estrelas.
Prosa poética bem sugestiva que atrai ainda mais a atenção para este poeta que não conheço... Além da poética interessante em forma de cantos épicos, uma particularidade que diz da ousadia do jovem autor.
ResponderEliminarObrigada pela sugestão, Prof.!
A ousadia de agrupar os poemas em cantos épicos é minha. Espero que a liberdade do analista não tenha perturbado a liberdade do criador...
Eliminar