LUÍS DE CAMÕESO retrato pintado em Goa, 1581 |
Numa mão a espada na outra a pena...
Em finais dos anos oitenta, realizei uma edição crítica dum autor português seiscentista. Tive de respeitar as práticas de escrita que nesses tempos se usavam, as mesmas que Camões teria usado. O meu PC não gostou dessa forma tão bizarra de escrever e mandou-me consultar com urgência a norma oficial portuguesa de registo da língua então em vigor. A de 1945 revista em 1973.
Este episódio assalta-me a memória sempre que vem à baila a aplicação do acordo ortográfico de 1990. Dizem que se Camões o pudesse ver fugiria a sete pés e procuraria de novo refúgio no tú-mulo. Vá-se lá saber porquê. E como a ignorância é muito atrevida, aí vão duas oitavas d’Os Lusíadas, registadas tal qual como soía fazer-se em 1572, ano da editio princeps da epopeia.
OITAVAS
Eis aqui quaʃi cume da cabeça,
De Europa toda, o Reino Luʃitano,
Onde a Terra se acaba, & o mar começa,
E onde Febo repouʃa no Occeano:
Eʃte quis o Ceo juʃto que floreça
Nas armas, contra o torpe Mauritano,
Deitando o de ʃi fora, e la na ardente
Affrica estar quieto o nam o conʃente.
Esta he a ditoʃa patria minha amada,
Aa qual ʃe o Ceo me dá, que eu ʃem perigo
Torne, com eʃta empreʃa ja acabada,
Acabeʃe eʃta luz ali comigo.
Eʃta foy Luʃitania, deriuada
De Luʃo ou Lyʃa: que de Bacho antigo
Filhos forão, pareçe, ou companheiros,
e nella antam os Incolas primeiros
Impreʃʃos em Lisboa, com licença da ʃancta Inquisição, & do Ordinario:
em caʃa de Antonio Gõnçaluez Impreʃʃor. 1572
(III, 20-21, fls. 41-41v.; Pdf pp. 91 e 92)
OBS.:
(III, 20-21, fls. 41-41v.; Pdf pp. 91 e 92)
OBS.:
A questão que se me põe neste momento é a de saber se Camões teria a mesma reação relati-vamente a todos os registos que a sua escrita foi sofrendo ao longo dos tempos. Exatamente 444 anos após a publicação da obra máxima da cultura literária portuguesa. Depois, caso os recusasse em bloco, por ferirem os seus hábitos ortográficos, começarmos a restaurar as práticas algo peculiares que teria seguido nos seus dias. Seria, no mínimo, curioso, para não dizer doloroso...
Que maravilha, um texto bom para ser ler neste dia! Vou até partilhar.
ResponderEliminarProf, sou leiga na matéria mas, para o poeta de versos grandiloquentes que originou outra importância à pátria e à língua portuguesa, conhecedor profundo da história e da língua mátria... Basta as suspesnões, creio eu.
ResponderEliminarTambém sou da mesma opinião até porque, como escrevia o poeta: «MVdaõſe os tẽpos, mudaõſe as võtades | Mudaſe o ſer, mudaſe a cõfiança | Todo o mũdo he cõpoſto de mudança | Tomando ſẽpre nouas qualidades...»
ResponderEliminarSerá que Camões ficaria mesmo zangado e fugiria de novo para o túmulo? Não creio porque, ao deparar com tamanhas transformações ocorridas no mundo, gostaria certamente que a língua portuguesa tivesse caminhado a par não ficando parada no tempo. Ao estudarmos a evolução da língua portuguesa percebemos que a língua de hoje não é a de ontem e a de amanhã será com certeza diferente da de hoje, porque é algo de dinâmico, sempre em evolução e transformação.
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