Casa di bambola della famiglia Bäumler di Norimberga (c. 1650-1700)[Spielzeugmuseum - Nürnberg, Deutschland] |
BRINCAR ÀS CASINHAS...
Mas também eu tive um tempo de Casa das Bonecas.
Chamávamos-lhe então brincar às casinhas. Não havia bonecas. Boneco era
eu e a outra. Uma vizinha afoita que me pegava na mão e no mais que lhe pudesse
dar. E tínhamos uma corte. Era a corte dos porcos. Acabada a escola, feitos os
deveres, nós íamos brincar para o pátio da vizinha. Maridinho e mulher. Um
casal perfeito. Fazia-se o jantarinho em pedaços de barro, com ervas e restos
de chouriço cru. Fruta de escolha, guardada para os animais. E fazíamos filhos,
com os porcos ali ao lado, vizinhos e camaradas. Só que os adereços dos nossos
aposentozinhos eram quase sempre imaginados. Não havia cómodas, bibelots, tapetes. Tapete era
uma velha saca de ráfia, que fora antes de adubo, e que chegada a hora passava a
ser também lençol de cama. Recordo um alqueire que fazia as vezes de mesa de
jantar. E tudo, tudo tão silencioso, para além do amistoso resfolegar dos
porcos. A maior parte do tempo era passada na cama. Alguém berrava dentro da
casa e nós bem quietinhos, mornos, colados um ao outro. Um cão ao longe ladrava,
uma galinha espreitava de cabeça no ar e crista rubra como uma bandeira. Os
dois, abraçadinhos, morríamos de medo de que o nosso casamento fosse um dia
desfeito, descoberto. A dona de casa era uma velha de buço a quem eu ajudava a
deitar a urina dos bacios nuns grandes potes de barro que havia junto do
chiqueiro. A velha engraçava comigo, e a minha mulherzinha era a neta dela.
Sabíamos os dois que estávamos guardados por aquela leoa gasta, toda vestida de
preto, com o seu farto bigode e o seu trovão de voz que espantava os gatos. Que
beijos e abraços, que lento esse despir que não dava pelo frio. E os dois, em
movimentos mansos, procurávamos reproduzir a reprodução.
Tivemos muitos filhos de trapos.
E éramos felizes.
Armando Silva de Carvalho
[Óbidos, 28.03.1938 – Caldas da Rainha, 1.06.2017]
O Livro do Meio (2006: 51-52)
Romance epistolar composto com Maria Velho da Costa
Magnífico!
ResponderEliminarQue feliz ideia de comemorar o Dia da Criança (mais um na vida das crianças...) com este belo texto! Fez-me lembrar as minhas brincadeiras infantis, entre elas o brincar às casinhas também... Feliz idade, que tanto contribuiu para a pessoa adulta que sou hoje!
ResponderEliminarUm grande artífice de palavras desenhadas em prosa poética e em poesia integral...
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