« Néanmoins, en y réfléchissant, ou plutôt en relisant Jakobson, Simon Herzog trouve trace d'une potentielle septième fonction, désignée sous le nom de " fonction magique ou incantatoire ", dont le mécanisme est décrit comme " la conversion d'une troisième personne, absente ou inanimée, en destinataire d'un message conatif " Et Jakobson donne comme exemple une formule magique lituanienne : " Puisse cet orgelet se dessécher, tfu tfu tfu tfu ". Ouais ouais ouais, se dit Simon. »
Laurent Binet, La septième fonction du langage (2015)
Regressei inesperadamente ao
meu
curso
de
letras
quando
entrei
de supetão no
universo
romanesco
de
Laurent
Binet, plasmado no meio milhar de páginas d'
A sétima função da linguagem (2015), exercício criativo
logo
galardoado
com
os
Prix
Interallié
e
Roman Fnac
. A
semiótica
e
a
linguística irrompem de
roldão
nas
primeiras
linhas
da
trama
e
fazem-nos
companhia
até
ao
derradeiro
ponto
final
. Pelo caminho, ainda dão as mãos em largas e rasgadas digressões à literatura, filologia, retórica,
música,
arte,
cinema,
história,
política,
ciência
e
comunicação em geral. Os grandes vultos da cultura universitária francesa ou a ela ligada nas vésperas da eleição de François Mitterrand como presidente da república e do render da guarda
de
Giscard
d'Estaing
no
Palácio
do
Eliseu
dão
um
ar
solene
aos
atos
relatados
. Michel
Foucault
, Jean
-Edern
Hallier
, Bernard
Henry
-Lévy
, Julia
Kristeva
, Philippe
Sollers
, Louis
Althusser
, Jacques
Derrida
, Hélène Cixous
, Umberto Eco ou
John Searle são só alguns dos
nomes
das
personalidades
referidas
e
convertidas em maior
ou menor
grau
em
personagens
da
intriga,
centrada
na morte de Roland Barthes
a
21
de
fevereiro
de
1980,
vítima
dum
atropelamento
aciden-tal
ou
dum
bem
orquestrado
complot internacional
com
implicações
imprevisíveis
na
ordem
social
da
época
.
Depois de ter estado cerca de dois anos em fila de espera para ser lido e quase outros tantos para ser comentado, ficou-me a vontade de partir à descoberta da obra já publicada deste jovem inventor de histórias
dentro
da
história
ou
de
aguardar
pacientemente
que
novos
títulos
sejam
entretanto
disponibilizados nos locais habituais, para desfrute
de
todos
aqueles
que
os
souberem
apreciar
. O
desejo
de
fazer
anotações
sem
fim
a
cada
passo
foi
vencida
pela
vontade de fruir devidamente o prazer do texto sem interferências académicas inoportunas
. Ultrapassados
os
impulsos
irresistíveis
de
percurso,
fixei-me
na
estrutura
genérica
seguida
pela
fábula,
toda
ela
ancorada
nos
parâmetros habituais do romance policial clássico com final
clarificador
de
todos
os
enigmas
em
jogo. Tzvetan Todorov (também ele parte integrante do elenco intelectual citado) incluí-lo-ia nos domínios
fantásticos do estranho
puro
ou
do
insólito
explicado
por
meios
naturais
. Os
próprios
protagonistas
de
serviço,
Jacques
Bayard
e
Simon
Herzog,
são
retratados
como
caricaturas
acabadas
do
inspetor
Sherlock
Holmes
e
do
Dr
. John
H
. Watson,
dados
à
luz
por
Sir
Arthur
Conan
Doyle
. Chamemos-lhe
pastiche literário
ou
thriller desconcertante, se preferirmos
. A
ironia-crítica-sátira
emprestada
à
investigação
impediriam outras classificações alternativas que se afastassem
minimamente
dos
meandros
da
paródia
bem
humorada.
A
sétima
função
da
linguagem
funciona
na
intriga
como
um
acréscimo às
restantes
seis
teorizadas por Roman Jakobson nos
Ensaios de linguística geral (1973)
. Assim,
para
além
das
emotiva-apelativa
do
eixo
da
subjetividade, das referencial-fática-metalinguística do eixo da objetividade, e da poética formada na cruzamento dos dois eixos
referidos,
haveria
ainda
que
contar
com
uma
suplementar,
difícil
de
localizar
no
esquema
original
e
que
teria
o
poder
encantatório
e
manipulador da comunicação humana. Roland Barthes estaria na posse dum documento com a chave de acesso a essa capacidade retórica
de
convencer infalivelmente
os
outros
da
verdade
duma
qualquer
mensagem
. A
razão
da
sua
eliminação
física do mundo dos vivos
estava
encontrada
e
com
ela
o
leitmotiv que
animaria
todo
o
relato
. O
faz-de-conta
inventado a cada momento pelas poéticas da ficção
e
filosofias
dos
símbolos
entram
em
cena
. Os
atores
pisam
as
ribaltas
montadas
em
Paris,
Bolonha,
Ithaca,
Veneza
e
Nápoles,
num
drama
repartido
por
cinco
atos
e
um epílogo. Ocasião, também para atualizar quanto baste a hipótese da
ucronia literária definida com precisão por Umberto Eco n'«Os mundos da ficção científica», incluído
em
Sobre os espelhos e outros ensaios (1985),
i.e.,
de
imaginar
que os eventos reais do passado ocorreram de modo distinto, tornando as liberdades verbais urdidas na textura narrativa credíveis e aceitáveis.
O
jet set de
individualidades
universalmente
conhecidas
levadas do mundo
exterior
para
o
interior
dum
romance
ganham
uma
nova
vida
. Coincidem
nos
nomes
mas
distinguem-se
em
todos
os
feitos
que
lhes
são
atribuídos
. Continuam
a
revivê-las
sempre
que
são
atualizadas
pela
leitura
. Ficam
congeladas
nas
páginas
dos livros que as contêm. Admirável destino destes seres que podem aspirar à eternidade. Só terão
de
pertencer
a
uma
obra
imortal
a que todos os autores podem aspirar e nenhum tem a capacidade de confirmar. Pessoalmente, atrevo-me
a
antever
um
futuro
promissor
na
república
das
letras,
assim
a vivacidade
já manifestada
na escrita
se
mantenha sem falhas
e
a
nossa
capacidade
de
decifração
se
não
esgote
. Numa época em que as humanidades andam pela rua da amargura e as universidades já não são o que eram, torna-se um pouco arriscado que a erudição académica consiga trilhar com sucesso as veredas sinuosas da criação diegética. Laurent Binard que se cuide e trate de se adaptar às novas retóricas do terceiro milénio. É que nos dias que correm as eleições presidenciais fazem-se mais à custa das
fake news virtuais do que das funções restritas ou ampliadas da linguagem por muito fascinantes que sejam ou pareçam ser.