15 de março de 2019

Espigueiro de granito

                  Nélson Paciência                  
Bonecos de Neve   Casinhas de Brincar
As memórias mais antigas que guardo da infância remetem-me para os meus quatro/cinco anos, aquando duma curta temporada passada no Caramulo. Aparecem-me soltas, avessas a qualquer princípio de ordenação cronológica precisa. Flasches sensoriais que o caráter exótico do instante ajudou a preservar. O ar puro da serra terá também contribuído para as guardar como primeiros registos de autoconsciência pessoal. Alguma importância terão tido então para as estar a evocar agora. Tão distantes, tão presentes.

Nessa primavera, duas estrelas de cabeleira sulcaram os céus. Uma a iluminar a noite com o rasto esbranquiçado de cometa errante, outra a colorir o dia com os tons garridos dum papagaio de papel. Quando as canículas estivais apertaram, uma voz gritou e outras repetiram em eco: Há fogo na Malhada! E as chamas abraçaram a montanha. Quando os frios invernais chegaram, fiz o meu primeiro boneco de neve. Gelado a queimar a pele, como se de fogo se tratasse. Contrastes térmicos a confundir os sentidos.

Esqueci-me de parte das brincadeiras tidas com a criançada local. Recordo-me bem do espigueiro de granito convertido em casinha de faz-de-conta. O insólito do cenário lúdico a bater aos pontos os rivais tradicionais. Com as maçarocas fazíamos bonecas com fartíssimas cabeleiras e saias de rodar. Com as barbas do milho moldávamos bigodes farfalhudos e enrolávamos cigarros a imitar os adultosCom os sabugos, capelo e grãos improvisávamos mil e um artefactos. Sem correrias, em liberdade, ao sabor da imaginação...

3 comentários:

  1. Um local idílico para brincar, o espigueiro, recheado de artigos comestíveis ou não para desafiar a imaginação...

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  2. Que "transporte" tão conseguido, em poucas palavras... Gostei!

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  3. Recordações que nos fazem lembrar o tempo de infância, um tempo que ficou para tràs, cheio de bons momentos criados pela imaginação fértil dessa idade, e que ficaram preservados para sempre na nossa memória.

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