CAMÕESJúlio Pomar, 1989 |
Apólogo Dialogal Quarto,
em que são interlocutores os livros de Justo Lípsio, Trajano Bocalino, D. Francidco de Quevedo e o autor desta obra.
em que são interlocutores os livros de Justo Lípsio, Trajano Bocalino, D. Francidco de Quevedo e o autor desta obra.
Autor. Escusai a disputa, porque as lástimas e queixas que ali está dando um doente acusam já vossa ponderação por impiedosa. Oh, coitado! Como se mostra dolorido!
Quevedo. Vozes soam, de grande aflição; mas, se me não engana o eco, portuguesas parecem.
Bocalino. Pelo menos, não são italianas, nem francesas.
Lípsio. Nem flamengas, nem latinas. E, de caminho, vos descubro este segredo, como versado nele: sabei que todos os idiomas do mundo tem seu tom particular, sobre que armam sua linguagem. Como latinos, espanhóis e ingleses fazem sobre a letra ON, fran-ceses sobre EA, como já foram os gregos, e são mais frequentes que todos, os etíopes na letra E, os bárbaros das Índias ocidentais se afeiçoaram tanto à letra V, que em quase todas as dicções nela acabam suas cláusulas, donde, se notardes, procedem dous galan-tes secretos: o primeiro, que sem compreensão de palavras se pode averiguar qual seja a língua em que se proferem; o segundo, que pela frequência das letras se descifra qualquer segredo escrito nelas.
Bocalino. Não lhe faltava mais agora a este flamengo presumido, senão ensinar-nos o A. B. C.!
Autor. A menos custa de prosa, eu sei já, senhores, quem é o doente.
Lípsio. Quem?
Autor. É o pobre de Luís de Camões, que está ali lançado a um canto, sem que todos os seus cantos tão nobremente cantados lhe negociassem melhor jazigo!
Bocalino. De que se queixa o famoso poeta português?
Quevedo. De nós todos se poderá queixar, porque, sendo honra e glória de Espanha, tão mal tornamos por ele, que, se são poucos os que o lem, são menos os que o entendem...
Dom Francisco Manuel de Melo, Hospital das Letras, 1657
No dia em que todos falam dele e poucos o leem...
ResponderEliminarNa realidade, a maior parte das pessoas conhece Camões porque Os Lusíadas foi leitura obrigatória no liceu... Valeu-me o meu pai, que me explicou as figuras literárias, ou eu não chegaria lá...
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