8 de março de 2021

As três rainhas

DAMAS DE AZUL

Τοιχογραφία με γυναίκες στο Ανάκτορο της Κνωσού
[Fresco do palácio de Knossos - Creta - Grécia (1700-1300 AEC)]

Princesas, Infantas, Rainhas & Cortesãs...

Diz-se que a nobreza tinha o sangue azul porque não necessitava de se expor diariamente aos raios ultravioletas do Sol. Sobretudo as titulares de mais alto estatuto, que abrangia as princesas, infantas e rainhas nascidas em berço de ouro e lençóis de cetim, mas também as cortesãs deitadas nos leitos reais despidas das sedas e pedrarias que antes as cobriam. A pele dum branco imaculado dava a sensação das veias cerúleas serem percorridas por um líquido vital diferente do vermelho vivo da restante plebe. Tudo isto nos tempos áureos em que os banhos de mar e a obtenção dum bronzeado perfeito não estavam ainda na moda como acontece nos dias de hoje e o moreno efémero de verão é cobiçado por todos, pelos filhos de algo ou de quem quer que seja.

As cabeças coroadas ou a elas associadas também não terão fugido a esta regra nos 770 anos que a Monarquia Lusitana geriu os destinos dum Reino agora convertido em boa hora numa República. Entre 1140 e 1910, anos em que Dom Afonso Henriques se autointitula Rei dos Portugueses e Dom Manuel II foi destronado, sentaram-se junto do soberano 36 soberanas, se as contas me não falham, 33 rainhas estrangeiras provenientes duma dúzia de cortes europeias de aquém e além-Pirenéus, sobrando três únicas rainhas consorte nadas e criadas em território nacional, escassíssimo número para tão extensa lista de alianças matrimoniais de estado, que geraram tantos príncipes, infantes e reis, quase todos eles portugueses a meio gás.

Dona Leonor Teles de Menezes (c.1350-1386), a quem Fernão Lopes apelidou de Aleivosa na Crónica de El-Rei D. Fernando e na primeira parte da Crónica de El-Rei D. João I de Boa Memória, pelo seu comportamento leviano medido à luz dos padrões vigentes na época. Por motivos de ordem estritamente política, separou-se do primeiro marido de quem tinha um filho, para se matrimoniar em segredo com Dom Fernando. Quando enviuvou, foi governadora e regente do reino, em nome da filha menor, Dona Beatriz, casada com o rei Dom João I de Castela, e assumiu a sua ligação com o Conde Andeiro. Odiada por tudo e por todos, foi uma das principais causadoras da crise de 1383-85, que substituiria a dinastia de Borgonha pela de Avis.

Dona Isabel de Coimbra (1432-1455) é a menos conhecida das três rainhas mas simultaneamente aquela que mereceria ser designada de Desejada, pela paixão que despertou no consorte, o rei Dom Afonso V, seu primo direito, por serem ambos netos de Dom João I, o Mestre, de Avis e de Dona Filipa de Lencastre. Eram também filhos da Ínclita Geração, ele do rei Dom Duarte, o Eloquente, ela de Dom Pedro, o infante das Sete Partidas. A guerra fratricida instigada pelo duque de Bragança, levaria à morte do pai na batalha de Alfarrobeira, travada contra as forças reais. A sua fidelidade e amor ao marido permitiu-lhe reabilitar o bom nome do progenitor e a trasladação do seu corpo para o Mosteiro da Batalha, onde jaz na capela do fundador.

Dona Leonor de Lencastre (1458-1525), a Rainha Velha dos autos de Gil Vicente, mecenas e humanista, promotora do manuelino, fundadora da Misericórdia de Lisboa e do Hospital Termal das Caldas da Rainha, continua a ser a mais conhecida das três, merecendo o epíteto de Princesa Perfeitíssima. Prima e nora da anterior, a infanta casou-se com o futuro rei Dom João II, primo e neto como ela de Dom Duarte. A execução do irmão e do cunhado por motivos políticos, bem como a morte trágica do filho amarguraram-lhe o resto da vida, dificultando a relação com o marido. Dizem as más-línguas que o terá mandado envenenar. O Renascimento no seu melhor, a lembrar-nos por A+B que não há bela sem senão ou que no melhor pano cai a nódoa.

OLHARES DAS TRÊS RAINHAS 
 A Aleivosa (Em frente) – A Desejada (Para baixo) –A Perfeitíssima (para cima)

4 comentários:

  1. Ou seja, de sangue azul porque não apanhavam sol e nascidas entre sedas e cetim, as rainhas eram seres humanos com virtudes e defeitos como todos os outros, mas privilegiados pelo nascimento segundo as lei de antanho... Interessante resenha para o dia decretado como o das mulheres que tiveram de lutar corajosamente pelos seus direitos!

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    1. Três rainhas, três mulheres, que, à sua maneira, marcaram o seu tempo e ainda hoje são lembradas. Não estava a pensar no dia da mulher quando compus esta história com histórias dentro, mas até se pode enquadrar no espírito da data que hoje se celebra.

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  2. A maioria, era apenas um pedaço de carne para reprodução e alianças... Era muito triste a vida dessas mulheres. Eu nunca quereria ser rainha. Claro, se tivesse nascido com esse destino! Mas é muito bom ser plebeia, e muito melhor se tivermos liberdade de escolha. Ainda bem que sou do século passado!

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    1. Também prefiro ter o sangue bem vermelho da plebe que vai à praia e adora o bronzeado passageiro do verão a estar privado da liberdade de escolher e ser escolhido. Os privilégios reais muitas vezes eram um castigo para quem os recebia por nascimento, sobretudo para as consortes destinadas à reprodução e às alianças monárquicas. Uma realidade que em boa hora nos desfizemos mas que ainda persistem em muitis locais, apesar do azul dinástico ter vindo a ser substituído gradualmente pela aristocracia dos nossos dias.

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