"Over seven hills, which are as many points of observation whence the most magnificent panoramas may be enjoyed, the vast irregular and many-coloured mass of houses that constitute Lisbon is scattered. For the traveler who comes in from the sea, Lisbon, even from afar, rises like a fair vision in a dream, clear-cut against a bright blue sky which the sun gladdens with its gold. And the domes, the monuments, the old castles jut up above the mass of houses, like far-off heralds of this delightful seat, of this blessed region. The tourist’s wonder begins when the ship approaches the bar, and, after passing the Bugio lighthouse – that little guardian-tower at the mouth of the river built three centuries ago on the plan of Friar João Turriano –, the castled Torre de Belém appears, a magnificent specimen of sixteenth century military architecture, in the Romantic-Gothic-Moorish style. As the ship moves forward the river grows narrower, soon to widen again, forming one of the largest natural harbours in the world with ample anchorage for the greatest of fleets. Then, on the left, the masses of houses cluster brightly over the hills. That is Lisbon."
Fernando Pessoa, Lisbon, what the tourist should see (1925; 2015)
Fernando Pessoa (1988-1935) é um dos grandes poetas da língua portuguesa. É também um dos vultos maiores das letras inglesas. Um nome incontornável da modernidade literária europeia à conquista doutros continentes. Em Lisboa viu a luz do dia. Em Durban, na África do Sul, fez a sua instrução primária e liceal. A Lisboa voltaria para passar o resto dos seus dias. Publicou em vida quatro obras, três em inglês e uma em português. A educação britânica bateu mais forte e marcou-o para sempre. Deixou um baú cheio de inéditos compostos nos dois idiomas e um ou outro em francês. O Alexander Search da juventude abre as portas da imaginação criativa a Bernardo Soares, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro da maturidade. Pseudónimos, semi-heterónimos, heterónimos e ortónimo unem esforços e a obra nasce, cresce e impõe-se.
O original do Lisbon, what the tourist should see foi achado no final dos anos 80 e terá sido datilografado por volta de 1925. Foi traduzido e dado à estampa em 1992, a que se seguiram outras (re)edições bilingues ou vertidas para italiano, espanhol, francês e alemão. Se a pátria do emissor interno do Livro do desassossego era a língua portuguesa, a pátria do redator do guia da cidade construída sobre sete colinas é mesmo Lisboa, a tal que o turista deve ver, pese embora o facto de a ter descrito em língua inglesa. O cicerone inicia o percurso a bordo dum navio que se prepara para entrar na barra do Tejo e que após a passagem pelo Bugio se deixa deslumbrar por todos os zimbórios, monumentos e castelos antigos que se destacam por sobre o molhe de casas e ruelas desse sítio encantado e dessa região bendita que os olhos podem enxergar e admirar.
As dialéticas de lembrança e esquecimento cruzaram-se a 16 de julho passado, mediram forças entre si e o primeiro elemento da dicotomia ganhou aos pontos ao segundo. Nesse recontro de amigos tive ocasião de referir algumas questões de equilíbrio equacionadas por José Saramago n'O ano da morte de Ricardo Reis. Os meus colegas de três décadas quiseram gravar a memória desse dia com a oferta da mais recente edição do roteiro de Fernando Pessoa, efetuada em 2015 com a chancela do Centro Atlântico. O mundo académico tem por vezes destas coisas. Viajei pelo seu interior em tempo de férias. A tradução de Pedro Coutim ajudou-me a seguir de mais perto a versão original e as ilustrações de Mário Linhares a recrearem os cenários descritos. Facultaram-me a visão duma cidade iluminada por um sol radioso num céu azul e refrescada pela doce brisa do rio.
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