BLIMUNDA SETE-LUAS José Santa-Bárbara [Dicionário de Personagens da Ficção Portuguesa] |
‒ Vejo dentro do corpo das pessoas quando estou em jejum ‒ explicou Blimunda.‒ Eu vejo a morte ‒ disse Lillias.
Encontro em Lisboa
A mulher riu. Tinha um
tão claro riso que Lillias julgou, por um mo-mento, achar-se rodeada de
crianças. No entanto, apesar do seu ca-belo, ainda muito escuro, e do seu rosto,
liso e moreno, onde brilhava a leve sugestão de emulsões orientais, vinha dela
uma excelente ve-lhice. Atravessara o tempo e convencera-o a separar-se dela
para sempre. Olhava para Lillias com firmeza, como quem dá o último retoque
numa obra que honrou a expectativa.
O quarto era pequeno e
abafado, de tetos muito baixos, em abóbada. A luz esvoaçava entre as paredes,
desenhando arabescos com asas. Alguém tirara a sua roupa e lhe vestira uma
camisa esfiapada das lavagens.
A mulher disse:
‒ Comes e descansas,
porque essa fuga não acaba aqui. E le-vantou-se. Usava trapos grossos e
sobrepostos. Isso não lhe dava o ar de uma mendiga. Olhava o lume. Lillias viu
o sinal manchar-lhe a face direita, a do poder.
‒ Como te chamas?
‒ Lillias Fraser, madam.
A mulher acercou-se novamente. A
sua voz cantada enchia o ar como se ressoasse na igreja. «Perdeste muito
sangue. Amanhã vejo se a criança está viva na barriga.»
Lillias extinguia dentro de si
mesma a vigilância de que precisara para fazer o caminho até ali. E aquela
fraqueza que a tomava, em vez de a assustar, trazia o embalo da sua infância ao
colo de Margareth.
‒ Que nome tem vossemecê?
‒ Blimunda ‒ disse a mulher. ‒
Blimunda Sete-Luas.
‒ É um bonito nome ‒ disse
Lillias.
Quis pegar-lhe na mão, porém Blimunda já não estava a seu
lado. O próprio fogo se tornava invisível, devagar.
Belo romance de Hélia Correia, numa escrita mágica e criativa. Um encontro perfeito entre dois magníficos escritores...
ResponderEliminar...A proporcionaram boas leituras de férias.
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