22 de julho de 2019

Dialéticas de lembrança e esquecimento

FERNANDO PESSOA
Carta Astral de Ricardo Reis
QUESTÕES DE EQUILÍBRIO
«Olham-se ambos com simpatia, vê-se que estão contentes por se terem reen-contrado depois da longa ausência, e é Fernando Pessoa quem primeiro fala, Soube que me foi visitar, eu não estava, mas disseram-me quando cheguei, e Ricardo Reis respondeu assim, Pensei que estivesse, pensei que nunca de lá saísse, Por enquanto saio, ainda tenho uns oito meses para circular à vontade, explicou Fernando Pessoa, Oito meses porquê, perguntou Ricardo Reis, e Fernando Pessoa esclareceu a informação, Contas certas, no geral e em média, são nove meses, tantos quantos os que andámos na barriga das nossas mães, acho que é por uma questão de equilíbrio, antes de nascermos ainda não nos podem ver mas todos os dias pensam em nós, depois de morrermos deixam de poder ver-nos e todos os dias nos vão esquecendo um pouco, salvo casos excecionais nove meses é quanto basta para o total olvido...»
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis (Lisboa: Caminho, 1984, 80)
Fernando Pessoa ao traçar a biografia do heterónimo que escrevia poemas de índole pagã esqueceu-se de registar a data da sua passa-gem desta para melhor. José Saramago preencheu essa lacuna nas páginas d'O ano da morte de Ricardo Reis. Situou-a em 1936, nas antevésperas da Guerra Civil Espanhola, aquela que prepararia uma outra travada à escala mundial de dimensão nunca vista.

O ser feito de papel só existente na imaginação de quem o lê partiu lentamente com o fluir do tempo. Deixou de ser visto, à medida que a lembrança do seu criador se converteu em esquecimento. Nove meses depois de ter regressado do exílio brasileiro, Ricardo Reis apagou-se da memória coletiva das gentes e entregou-se por inteiro ao total olvido a que Fernando Pessoa já fora votado também.
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Reencontrei-me dias com a comunidade académica que durante três décadas foi minha. Oito meses após a retirada das atividades docentes, os meus colegas honraram-me com um almoço de convívio num espaço privilegiado da cidade. Gostámos de nos voltar a ver. Foi bom verificar que a lembrança superou o esquecimento. Comprovar que as histórias vividas são sempre superiores às imaginadas.

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