13 de maio de 2021

Karen Blixen, uma história imortal da baronesa contadora de histórias

„Jeg holder ikke af opspind, jeg holder ikke af profetier. Det er forrykt og uanstændigt at give sig af med uvirkelige ting. Jeg holder mig til virkeligheden. Jeg skal sørge for at forvandle dette stykke opspind til virkelighed
Karen Blixen, Den udødelige historie (1958)

O meu fascínio pela escrita de Karen Christetze Dinesen é antigo e perene. Data do início dos anos oitenta, quando visitei a Dinamarca pela primeira vez. Lidos os livros disponíveis no mercado, me resta voltar às segundas e terceiras leituras que nos trazem sempre algo de novo a explorar desse manancial singular que nos legou, em parte já editado com caráter póstumo. Recomecei a viagem com a História Imortal, um dos cinco contos inseridos na coletânea Anecdotes of Destiny / Skæbne-Anekdoter (1958) e mais tarde impressos avulso.

O exemplar que tenho comigo corresponde à mais antiga tradução portuguesa feita e publicada entre nós da obra da grande contadora de histórias de inspiração gótica, a quem alguém considerou com legítima razão a Sherazade do Século Vinte. Foi-me oferecido pela Sílvia S., residente no país e profunda admiradora da Baronesa Blixen-Finecke, aquando do lançamento pela Assírio & Alvim em 1985 do relato. Escrito originalmente em dinamarquês e vertido depois pela autora para inglês, ou vice-versa, as duas variantes divergem nos pormenores, mantendo, todavia, uma estrutura narrativa idêntica. Para conciliar em parte as discrepâncias encontradas, a versão composta e prefaciada por Aníbal Fernandes seguiu de muito perto a fonte gaulesa que vertera diretamente da escandinava em detrimento da britânica.

Condicionada pelo seu estatuto de mulher, a contista-novelista recorreu a diversos pseudónimos para tornar pública a sua produção literária. O mais divulgado foi o de Isak Dinesen, mas também o de Osceola e Pierre Andrézel, tendência masculinizante mais seguro na época para garantir algum sucesso editorial, prática que as modernas edições têm vindo a desfazer, substituindo-os a todos eles pelo de Karen Blixen, um semiortónimo pelo qual a Baronesa passou a ser reconhecida nos dias de hoje no universo das letras tomadas a nível internacional.

Cruzadas todas as lições disponíveis do texto, incluindo a adaptação cinematográfica de Orson Welles de 1969, fica-nos como pano de fundo o conto que Mr. Clay, um poderoso comerciante de chá de Cantão, mão de ferro e espírito avarento, ouvira em tempos sobre um marinheiro que fora abordado à chegada a um porto por um velho muito rico e lhe propusera, a troco de cinco guinéus, engravidar a jovem esposa que até ao momento lhe não dera nenhum filho a quem deixar a sua imensa fortuna. Ao aperceber-se tratar-se duma ficção repetida de boca em boca como uma anedota em que ninguém acreditava de facto, resolveu torná-la realidade, porque detestava profecias e não era de acreditar em fábulas imaginárias. Assim o pensou, assim o fez, transformando esse seu projeto numa verdadeira história imortal.

Os pormenores seguem nas oito dezenas de páginas imaginadas pela ilustre aristocrata de Rungstedlund, nas imediações de Copenhaga, aquela que esteve casada com um barão sueco, que teve e viu falir uma plantação de café no Quénia e que para sobreviver financeiramente foi obrigada a dedicar-se à literatura aquando do seu regresso ao país natal. Em boa hora o tomou essa decisão, dado a vida do café ser efémera, desaparecendo para sempre depois de plantado, processado, torrado, fervido e bebido, enquanto a vida dum conto bem contado renasce em cada momento que o lemos, podendo ascender à esfera superior da eternidade. Assim aconteceu com esta história imortal cuja perenidade já vinha registada no próprio título com que foi composto, impresso e oferecido aos leitores, que somos todos nós.

3 comentários:

  1. Karen Blixen, a escritora dinamarquesa famosa em todo o mundo e celebrada ainda mais com a transposição para o cinema da sua história de vida, tão rica e tão aventurosa. Uma lacuna nas minhas visitas a Copenhaga foi não ter visitado o Museu em que a sua casa foi transformada...

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    1. É um espaço paradisíaco, transformado num mítico santuário de aves, que tenho uma vontade imensa de revisitar numa próxima visita a Copenhaga...

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  2. Um estimulante convite à descoberta de uma autora cuja obra inspirou uma extraordinário filme.

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