NASA Satellite view of Europe at night |
Iluminismo, Lumières, Aufklärung, Enligthment: O fenómeno das Luzes, longe de ser nacional, singular e segmentar, apresenta-se como europeu.Jacqueline Russ, A aventura do pensamento europeu (1995)
Olho e volto a olhar para a Europa noturna captada por um satélite da Nasa e, por mais que olhe e reolhe, não vejo nenhuma princesa, ninfa ou deusa deitada como nos garantiam as velhas lendas etiológicas helénicas. Não vejo e nunca verei, a menos que se trate duma versão atualizada, concebida à maneira cubista da modernidade pictórica, seguindo o modelo dos seus mais destacados cultores. Ou, então, reconhecer que a tecnologia que hoje em dia nos rege tem o condão de transformar os mitos em contramitos.
Observo e volto a observar a tal fenícia de origem argiva raptada por Zeus e, nos locais anatómicos onde deveria encontrar os braços, e enxergo algo semelhante a uma bota na península italiana e uma espécie de coto na península dinamarquesa. Quanto às pernas e pés da célebre heroína de sangue real, topo com uma sorte de barbatana na península escandinava. Só a península ibérica se parece com um rosto, mais com o pintado por Picasso na Guernica do que a descrita por Ovídio nas Metamorfoses.
Analiso e volto a analisar a imagem aérea dum continente tido por alguns como divino para alguns e só vislumbro luzes. As que se veem à noite e sentem com os restantes sentidos durante o dia. As fronteiras do antigo Império Romano estão bem iluminadas na fronteira oriental, perdendo-se em intensidade na parte nascente da Eurásia, mantendo um brilho ainda considerável nas margens do Mediterrâneo Norte e do Mar Oceano, quase desaparecendo na vertente africana do Velho Mundo Greco-Latino.
Miro e volto a mirar a filha de reis e amada do pai dos deuses e só lobrigo o fulgor olímpico que lhe foi dado pelo senhor dos trovões numa altura em que o divino se unia ao secular. Fonte de luz iluminista que deu novas formas de encarar o mundo e de o tornar mais ameno para quem nele vive. No dia em que se celebra o Dia da Europa, esperemos que esta filosofia baseada na razão e liberdade persista para sempre, imortal, como soía acontecer com os descendentes de Cronos, o deus primordial do tempo.
Que pelo menos o iluminismo afirme a razão e a liberdade do pensamento na Europa, embora falhem muitas vezes porque o ser humano é imperfeito. Mas tenhamos acesa a chama da esperança que nos permite acreditar que conseguiremos lutar sempre em sua defesa.
ResponderEliminarA Europa não é nem nunca foi uma princesa perfeita, mas, nestes últimos tempos, apesar de todos os seus defeitos, tem-se mostrado um pouco mais sensata e amiga da paz. Valham-nos estes resquícios de humanismo que nos têm deixado viver, mesmo assim, no melhor dos mundos possíveis. E que assim se mantenha daqui para frente.
EliminarBela imagem física, bela imagem em palavras. Bom dia, aqui do que será o maxilar inferior do rosto que vislumbraste e descreveste.
ResponderEliminarTeimas em nao ver a bela deusa? Mas ela esta lá! Um bocadinho torcida, mas luminosa.
ResponderEliminarAo reler ontem este poema de F. Pessoa, lembrei-me deste teu post:
ResponderEliminar"A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal."