7 de outubro de 2021

Murakami e as contracapas corrigidas e completadas de 1Q84


«O ano de 1984, como eu o conhecia, não existe. Estamos em 1Q84. A at-mosfera mudou, mudou a paisagem. Tenho de me adaptar quanto antes a este mundo com um ponto de interrogação. Tal como acontece com os animais, quando os deixam em liberdade numa floresta desconhecida. Para minha salvaguarda, para continuar viva, devo aprender as regras deste lugar, o mais depressa possível, e adaptar-me a elas.»
Haruki Murakami - 1Q84-1 (9, 184)

«Uma nova cara e uma nova vida que, em principio, a esperavam. Um maço de notas, dinheiro vivo, guardado num cacifo automático da estação de Shin-juku. Foi nesse ambiente que Aomame passou os dias de verão. Era tempo de férias, e as pessoas começavam a preparar-se para fugir. Muitos estabeleci-mentos comerciais tinham os taipais de metal cerrados e pelas ruas não se en-contrava vivalma. Também diminuíra o número de veículos em circulação e na cidade inteira reinava uma certa tranquilidade. Por vezes, ela tinha a impressão de estar a perder o norte. Será isto real?, interrogava-se. Se não era a verdadeira realidade, não fazia ideia de onde poderia encontrá-la. Não tinha outro remédio senão aceitar que aquela era a única realidade existente e fazer os possíveis por enfrentá-la com todas as suas forças.
Não tenho medo de morrer. voltou a convencer-se AomameO que temo é ser enganada pela realidade, ser abandonada pela realidade
Haruki Murakami - 1Q84-2 (3, 76-77)

«Talvez não seja desejável que nos tornemos a ver. Tengo tinha os olhos fixos no teto. Não seria melhor continuarmos separados até ao fim, mantendo sempre a esperança de nos encontrarmos? Viveríamos sempre com essa ilusão. A esperança seria uma pequena mas vital chama que nos aqueceria até ao mais profundo de nós mesmos. Uma pequena chama que protegería-mos do vento com as mãos, uma chama que as duras ventanias da realidade facilmente apagariam.»

Haruki Murakami - 1Q84-3 (27, 470-471)  

NOTA
No dia em que a Academia Sueca ignorou mais uma vez Haruki Murakami com o Prémio Nobel da Literatura. Por este andar, ainda se arrisca a fazer companhia a Tolstói, Proust, Pessoa, Orwell e Borges, alguns dos ostracizados de Estocolmo... 

2 comentários:

  1. Um extrato muito interessante, com a notável criatividade que a escrita de Haruki Murakami transpira. Não conheço a obra do vencedor do Nobel deste ano, Abdulrazak Gurnah, académico e escritor cujo curriculum poderá assegurar o seu merecimento. Murakami fica na lista, à espera de critérios que o favoreçam...

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    1. Dois dos primeiros títulos que li de HM vieram-me ter às mãos por mero acaso e o terceiro por arrastamento. Uma prenda num aniversário já distante, o achamento dum volume num jardim de Rennes e a associação a uma distopia clássica. Já contei essas histórias por aí do «Kafka», do «Sputnik» e do «1Q84». Qualquer dia também conto a dum «Pássaro de Corda» que já tenho na mesa de trabalho à espera de vez. Fiquei enfeitiçado pela escrita do mais insólito criador nipónico. A razão explica-se igualmente pelo facto de desde há muito ter uma certa predileção pelos universos do Fantástico. Ignoro se ao longo dos anos já catapultou alguma horda de detratores. Pouco importa. Em literatura ou se gosta ou se desgosta. Para mim trata-se duma leitura estimulante e, sobretudo, viciante.

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