"All true histories contain instruction; though, in some, the treasure may be hard to find, and when found, so trivial in quantity, that the dry, shrivelled kernel scarcely compensates for the trouble of cracking the nut. Whether this be the case with my history or not, I am hardly competent to judge. I sometimes think it might prove useful to some, and entertaining to others; but the world may judge for itself. Shielded by my own obscurity, and by the lapse of years, and a few fictitious names, I do not fear to venture; and will candidly lay before the public what I would not disclose to the most intimate friend."
Emily, Charlotte e Anne, as irmãs Brontë nascidas e criadas nas colinas do Yorkshire, o maior condado histórico da Inglaterra situado no nordeste do país, estrearam-se no universo das letras com um volume de Poems (1846) compostos pelas três e assinados com os pseudónimos masculinos de Currer, Ellis e Acton Bell. Esta última, a mais nova e menos conhecida, prosseguirá a sua curta carreira literária com dois romances de sucesso, o primeiro dos quais baseado na experiência pessoal da romancista como precetora, exercida entre 1839 e 1845 no seio duma família de Thorp Green Hall. Intitula-o Agnes Grey (1847), o nome da protagonista-narradora e quase alter ego da autora, numa edição conjunta partilhada com O Monte dos Vendavais de Emily Brontë.
O relato em prosa inaugural da jovem contadora de histórias está repartido por vinte cinco capítulos numerados, titulados e agrupados, segundo as normas estruturais próprias dum encadeamento narrativo clássico, linear e cronológico. Tudo começa no presbitério paterno da autobiografada e termina no presbitério conjugal da mesma. Entre a introdução e o epílogo canónicos, vão fluindo placidamente três sequências de dimensão diferente, formadas por avanços e recuos discursivos do seu percurso existencial, centradas em espaços educativos específicos, a Wellwood House dos Bloomfield, a Horton Lodge dos Murray e a Escola familiar das Grey, a mãe viúva e a filha casadoura. As memórias das entidades enunciativas esgotam-se ao fim de duas centenas de páginas e o destino de Anne-Agnes não tem mais nada a dizer.
Na criação artística, o factual e a ficção andam sempre de mão dada. Neste romance-novela-crónica-diário-notas seletas com nome de mulher, as histórias verdadeiras da autora são-nos reveladas com nomes inventados. Os pequenos/grandes ensinamentos fornecidos pelo relato têm de ser encontrados no interior da tal noz seca e encarquilhada referida no parágrafo de abertura. Assim se quebre a casca que os envolve. As provações sofridas pela filha de Patrick Brontë são transferidas mutatis mutandis para a filha de Richard Grey, os pastores anglicanos sem meios de fortuna casados por amor com duas descendentes de famílias endinheiradas. Os destinos reais e embuçados dos intervenientes ‒ vividos e decalcados nos alvores da era vitoriana (1837-1901) ‒ prosseguem a bom ritmo ao longo de todo o texto. Seria fastidioso elencá-los aqui um a um. Digamos tratar-se do testemunho duma precetora oitocentista malsucedida, na árdua tarefa de dar uma formação adequada de música, canto, desenho, francês, alemão e latim a um grupo de crianças mimadas, frívolas, ignorantes, irrequietas e desobedientes.
Lidos os desabafos traçados no livro como o objetivo explícito de não ocultar coisa alguma, acabo por esbarrar com um decalque involuntário e quase perfeito do síndrome da Gata Borralheira ou de qualquer outra heroína de literatura infantil. As tais que são sempre perseguidas por um batalhão de inimigos até à reta final do seu penoso percurso iniciático pelas aventuras/desventuras da vida. É nesse momento fulcral da sua existência em que encontra um príncipe encantado capaz de a libertar de todos os males passados e lhe oferece o happy ending merecido há muito esperado. O casamento com Edward Weston, o pároco rural que conhecera em tempos de formadora falhada, abre-lhe as portas para o novo estatuto de mulher casada e mãe de filhos. A mesma sorte não teve a arquiteta deste relato retrospetivo de sucessos pessoais verídicos cobertos com o tal manto diáfano da fantasia, por ter falecido na flor da idade, vítima aos 29 anos de tuberculose pulmonar, solteira e sem filhos, a revelar aos distraídos o quanto a vida real é bem mais dura do que a imaginada nos romances-novelas-crónicas-diários e até nas partes mais difíceis dos contos de fadas.