3 de novembro de 2015

Os Cinco e a Super-Homem

Enide Blyton, Os cinco (1942-1963)
[Série antiga portuguesa]
Quando os alunos ainda tinham alguma imaginação criativa, costumavam dar uma alcunha sugestiva a cada um dos seus professores mais carismáticos. Depois deixaram-se disso. No meu percurso de vida já fui brindado com alguns particularmente acutilantes e já mimei muitos dos meus se'tores com aquela palavrinha mágica de efeito catártico imediato. O significado de cada uma delas é, regra geral, imediato. Fico-me aqui com um único caso, o da terrível Super-Homem, a minha muito viril mestra de português no ciclo preparatório, no início dos anos sessenta.

Exemplo acabado da magister dixit dos tempos áureos da outra senhora, usava e abusava do baculum justiceiro para impor os seus métodos pedagógicos baseados na ponteirada e no puxão de orelhas. Do muito que terei aprendido com esse método infalível, só me terá ficado o vernáculo carroceiro com que os conteúdos me eram transmitidos. Ficou-me também memória daquela ideia inusitada na época de organizar uma biblioteca de turma. As obras eram compradas pelo coletivo e ao gosto de todos. Bom, depois de passarem pelo lápis azul invisível da pedagoga com pelo na venta.

Um dia calhou-me no sorteio o volume inicial da série mais famosa de Enid Blyton, Os cinco na ilha do tesouro. O entusiasmo pela descoberta foi tal, que só parei depois ter viajado por todas as aventuras disponíveis na biblioteca municipal ou na carrinha da Gulbenkian. Nos intervalos ainda visitei os títulos mais chamativos de Jules Verne, os romances ilustrados de autores famosos ou os relatos juvenis de Adolfo Simões Müller. O meu gosto compulsivo pela leitura terá começado aí, voluntário e sem o chicote castigador da mestre coriácea com nome reinventado de super-heroína.

2 comentários:

  1. «O verbo ler não suporta o imperativo. É uma aversão que compartilha com outros: o verbo amar… o verbo sonhar… É evidente que se pode sempre tentar. Vejamos: “Ama-me!” “Sonha!” “Lê!”. “Lê, já te disse, ordeno-te que leias!”
    - Vai para o teu quarto e lê!
    Resultado?
    Nada.
    Ele adormeceu sobre o livro (…).
    - Ele acha que as descrições são demasiado longas. Temos de o compreender, estamos no século do audiovisual, evidentemente, os autores do século XIX tinham de descrever tudo…
    - Mas isso não é razão para o deixarmos saltar metade das páginas!»

    Daniel Pennac (1996). «Como um romance», pp. 11-12

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  2. Com puxões de orelha e pontadas, não há pedagogia que inspire gostos por qualquer tema... Também li muitos dos livros de Enid Blyton e de Jules Verne, mas desconheço Müller. O interessante é que, excetuando as bandas desenhadas que invadiram a minha infância, o meu primeiro prazer na leitura foi o Novo Testamento.

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