10 de dezembro de 2021

Emily Brontë, a raiz de urze agreste das charnecas do monte dos vendavais

This is nothing - cried she - I was only going to say that hea-ven did not seem to be my home; and I broke my heart with weeping to come back to earth; and the angels were so angry that they flung me out into the middle of the heath on the top of Wuthering Heights; where I woke sobbing for joy. That will do to explain my secret, as well as the other. I've no more business to marry Edgar Linton than I have to be in heaven; and if the wicked man in there had not brought Heathcliff so low, I shouldn't have thought of it. It would degrade me to marry Heathcliff now; so he shall never know how I love him: and that, not because he's handsome, Nelly, but because he's more myself than I am. Whatever our souls are made of, his and mine are the same; and Linton's is as different as a moonbeam from lightning, or frost from fire.
Emily Brontë, Wuthering Heights (1847)

No final dos anos 50 ou início dos 60, a RTP transmitiu uma película a preto e branco que me ficou gravada na memória até hoje. Esqueci-me dos pormenores que alimentavam as linhas condutoras da intriga, mas ficou-me na retina o ambiente sombrio enquadrador da ação e nos tímpanos o nome gritado de Heathcliff. Refiro-me ao Wuthering Heights (1939), um melodrama de culto norte-americano realizado por William Wyler e interpretado por Laurence Olivier, Merle Oberon e David Niven, numa adaptação cinematográfica do romance inglês de Emily Brontë, O Monte dos Vendavais (1847), dado ao prelo com o pseudónimo de Ellis Bell. Li-o por essas mesma datas juvenis numa edição da Romano Torres (1957) e reli-o agora já na maturidade com a chancela da  Editorial Presença (2009).

Apercebi-me que à boa maneira do uso romântico, o enredo nos é transmitido por uma diversidade de vozes de primeira pessoa, através duma densa rede subjetiva de relatos encaixados e retrospetivos das personagens convertidas em entidades narradoras dialogantes. A variedade de perspetivas ou pontos de vista fica assim assegurada, isentando a instância criadora externa do aparente encargo na exposição egocêntrica da intriga. Mr. Lockwood e Mrs. Hellen Dean, com a ajuda de outros informantes diretos e indiretos, revezam-se na árdua tarefa de desvendar os meandros da paixão arrebatada dos protagonistas do drama vivido no cenário árido e rude das charnecas do Yorkshire, onde a urze fustigada pelos ventos uivantes é rainha e senhora.

A estrutura discursiva da crónica rural está repartida por duas partes, tantas quantos os volumes em que originalmente foi impressa. Esta divisão não assinalada nas versões atuais da obra, corresponde, grosso modo, à dupla saga de duas famílias britânicas oitocentistas, cingindo a geração dos filhos e netos dos Earnshaws da Thrushcross Grange e dos Lintons dos Wuthering HeightsOs amores e desamores cruzados dos irmãos Edggar-Isabelle da primeira casa (caps. 1-18) e de Hindley-Catherine da segunda (caps. 19-36 ) estão na base da textura narrativa urdida na trama, completada pela vingança traçada pela figura maquiavélica de Heathcliff, o anti-herói ou vilão por excelência, o tal que a minha memória infantil reteve por décadas. Os meandros da teia desenvolvida na ficção deverão ser entretanto recolhidos no texto original, cuja leitura obrigatória se impõe.

O prazer de leitura dos clássicos é espantoso, mesmo quando essa etiqueta recai nos títulos redigidos em períodos ditos anticlássicos ou tidos como tal, certamente os mais ricos de todos, por estarem libertos dos espartilhos, regras e leis castradoras da criatividade artística na sua plenitude. Chama-se imortalidade a esta fuga deliberada às exigências genéricas de matriz académica que ciclicamente invade a república das letras, passando cada um destes títulos rebeldes a constituir um dos possíveis livros da nossa vida, aqueles que nos prendem às suas histórias sem parar, convidando-nos a lê-los de fio a pavio, sem parar, até nos revelarem os seus segredos mais íntimos. Assim se passa com esta tragédia gótica em forma de romance, tal como, quiçá, com os restantes escritos ingleses compostos pelas três irmãs Brontë nesse distante meio século pré-vitoriano.

3 comentários:

  1. Mais uma belíssima resenha, Prof.! É tão bom relembrar este romance, na verdade um dos livros das nossas vidas, e o magnífico filme a que deu lugar, de que nao conseguimos esquecer os arrepios, tanto de prazer como de receio, que a notável interpretação dos atores nos transmitiu. Li o romance em Outubro de 1989 e fui agora revisitá-lo no seu lugar na estante, na magnífica encadernação do Círculo de Leitores, sentindo o apelo de nova leitura. Há uns anos tive a sorte de rever o filme na TV Cabo, que bem poderia repescá-lo, em vez das cansativas repetições de séries policiais copiadas umas das outras...

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    1. A TV em sinal aberto foge de passar os filmes a preto e branco para não ofuscar a policromia que ganhou nos últimos anos ou remete-os para horários que não lembrariam ao demo personificado. Os canais por cabo lá o vão fazendo de vez em quando mas ainda não sem lembraram deste Monte dos Vendavais. De qualquer modo a Net lá vai suprindo essas lacunas, assim os saibamos procurar e encontrar.

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  2. Teresa Salvado de Sousa12 de dezembro de 2021 às 09:50

    Também me lembro do filme e do desconforto opressivo feito imagem da urze açoitada pelo vento. Lendo o livro, o desconforto e a opressão voltaram, estado de espírito das personagens e paisagem respondem-se e o título não podia ser mais adequado. Grande literatura.

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