27 de junho de 2022

Dança de cadeiras & amizades de vida

Jotes picades sobre el treball, l'amistat i la vida
Quico el Célio, el Noi i el Mut de Ferreries,
 Si no fos (2012)
«Naõ ha mais ſegura riqueza para a vida que hum bom amigo; porque com elle ſe ſuſtẽtaõ as proſperidades, ſe encobre a amizade, ſe remedea a falta, ſe eſtima a bonança, ſe chora a dor, & ſe feſteja o contentamento.»
Gaspar Pires Rebelo, Infortúnios trágicos da constante Florinda (1633)

Se não fosse só por isso...

No jogo das cadeiras, fazem-se danças de roda, ouve-se a música atentamente, ciranda-se sem parar dum lado para o outro, espera-se a cada instante que o silêncio se faça, ocupa-se um lugar vago para mais uma partida, quem fica de pé perde a jogada. É que no jogo da cadeira há sempre mais jogadores do que cadeiras. O último a sentar-se vence a peleja. O vencedor da contenda ganha a solidão.

Tirando primos e primas, sou o mais velho da família. Segundo a lei de quem parte e de quem fica, serei o primeiro a partir. Quem parte não leva lembranças. Deixa algumas a quem fica. Dos amigos que fui fazendo, sou o mais velho de todos. Segundo essa mesma lei de quem parte e de quem fica, serei o último a sair de cena. Aí a coisa fia mais fino. O silêncio aperta. A solidão assusta. A saudade abala. 

E pouco a pouco as cadeiras ficam vazias. não ninguém que as ocupeO palco vazio perde de vez a razão de ser. O jogo das cadeiras esvaziou-se de sentido. O baile mandado, o corridinho e a jota picada perderam quem os dançasse ou quisesse fazer. Pela lei natural da vida/morte, os primeiros a chegar são os primeiros a partir. Se não fosse por isso, sejamos mais amigos de quem vai ficando.

2 comentários:

  1. A ordem natural das coisas, a que apelou o meu pai quando soube que a minha irmã nos EUA apanhara cancro pela segunda vez, normalmente dita as suas regras... Mas não raras vezes somos surpreendidos pela insustentável leveza do ser que Milan Kundera tão bem retratou e alguém do nosso convívio próximo parte, alguém mais novo, sem que consigamos interiorizar a perda... Os amigos e frequentemente a família, pois o sangue partilhado não garante estabilidade afetiva, falham-nos de repente, e o vazio instala-se... e o problema é que aprendemos a viver com isso, criando os momentos felizes que nos asseguram a alegria necessária para continuar singrando no nosso caminho. Como escreveu Saramago no Ensaio sobre a Cegueira, “… Tu continuas a ver, Cada vez irei vendo menos, mesmo que não perca a vista tornar-me-ei mais e mais cega cada dia porque não terei quem me veja…”
    Que alguns de nós se lembrem então que é essencial ser mais amigo de quem vai ficando, pois a nossa humanidade depende da afetividade com alguém próximo, aceitando-nos mutuamente como somos, sem críticas, sem julgamentos, sem ser por interesse... Afinal, ninguém é perfeito.

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    1. Habituamo-nos a tudo menos a preencher o vazio a que a ausência nos condena, até preenchamos também o vazio que nos espera a todos. Este indolor para quem parte, talvez doloroso para quem fica. Festejemos entretanto os amigos para o nosso contentamento efémero...

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